terça-feira, 17 de abril de 2012

Ler ao som de: Meu Refrigerador Não Funciona

- O que houve? – Eu queria ter te conhecido na infância. - E por isso que você chora? – Quem disse que choro? – Queria uma foto nossa do tempo do colégio. – Nunca estudamos juntos no colégio. – Por isso disse que queria. – Eu tinha exatamente sua idade quando te conheci, Ana. – Não funciona. – O que? – Meu refrigerador. – Quebrou há quanto tempo? – Eu tentei de tudo, não funciona. – Às vezes não adianta tentar. – Te estranho assim. – Como? Pessimista. – Ando amargo. Atormentando. – Eu sei. São os tormentos atrofiados. – Essa história novamente! Não a suporto mais. Ela acendeu o cigarro e não disse nada. – Ana. A academia nos enlouqueceu. – Sempre achei isso. – Agora não acha mais? A fumaça invadiu a sala de jantar. Os pratos estavam vazios e mudos. Transbordavam ausência. Ela sorriu de lado. – Não entendo porque você sempre me diz que tinha minha idade quando me conheceu. – Nem eu. – Você me abraçou no meio da Avenida Paulista e me disse isso. – São apenas números. – São apenas coisas, coisas. Pequenas coisas. Consolos, repulsas. – Ana, você não me respondeu. – Eu sei. Ela bebeu um gole de vinho seco e continuou. – Não sei o que acho agora. Vago desde sempre. Tropeço entre tantos nervos atrofiados. Não sei, Pedro. Talvez a academia seja uma grande desculpa para eu justificar minha frustração. Pausa. Continua - Eu disse frustração? Que expressão terrível. Visualizo essa palavra em todos os livros de auto-ajuda. Transporte público, estação Sé, livro de capa azul com um bela rosa: Supere suas frustrações em cinco passos! – Tormentos atrofiados... – Nervos atormentados, atrofiados..palavras..cacos... – Ana, respira. – Não funciona. – Quando eu não encosto no teu corpo... – Você vive fora desse emaranhado quente. – Não quero sair – Não quero, nem consigo. É um laço que se faz com a pele, e se tento soltar, rasga meu corpo. – Estamos falando do que? Ana não disse nada, encarou seu rosto pálido no espelho. Só enxergava a si mesmo, Pedro não aparecia. A casa era escura, os móveis estavam empoeirados. – Ana, e se eu tentar apertar o laço? – Não funciona, Pedro. Não funciona.

Ana T.