sexta-feira, 20 de janeiro de 2012

laialaia

Ler ao som de Tempo de Pipa - Cícero.


Eu não me preocupava com o que eu dizia, entende? Talvez. Eu falava sem parar, eu falava sem me preocupar. Vem dançar. Abre as janelas. Acho que a chuva já parou. Que isso, ainda escuto. Vamos lá fora. Rodopiar. Só preciso acabar meu chá. Depois te faço outro. Detesto despedidas. Está tão sujo esse lugar. Café, água, batata, chocolate, papel, livros...Você escreveu? Não escrevo. Pinta? Não faço nada dessas coisas. Eu também não. Quer uma caneta? Acho que preciso dormir. Insônia. Ontem apanhei hortelã no jardim. Tuas mãos são tão pequenas. Vem dançar! Mas já é tão tarde. Eu não tenho muito fôlego, você sabe...Para de correr tanto! Vem! Vou te mostrar os girassóis. São lindos...Levanta....você não machucou nada. Meu joelhos...Sempre doem...Sempre...Não respiro...Respira sim..você vive. Às vezes quero ter a certeza de que é por pouco tempo. Fatalista. Que nada, adoro voar. Eu morro de medo de altura. Mas você vive no alto! O campeão de natação que não sabia nadar. Kafka? Não lembro, eu li alguém citando...Quero viver aqui. Você já vive. Acho que vou dormir. Você sempre acha tanto. Você. Obrigada. É São Paulo. Não, não é São Paulo, não é o mês, nem o dia, nem seu signo. Não é nada. Vamos ter um filho? Minha mãe iria adorar. E você? Espera, não se mexe...essa luz ficou tão bonita....Um filho...Vamos dançar. Meus pés doem. Então não use-os! Paire. Voe. Acho que não preciso de cobertas hoje. Está com febre? Sempre estou. Você não vai morrer tão cedo. Eu escuto todos os diálogos da cidade. Você sente demais. Eu não sinto nada. Vamos morar juntos? Em um caleidoscópio. Parou a chuva. Seus cabelos estão molhados. A sua roupa também. Me empresta uma caneta? Eu não tenho. Certo. Quantas luzes. É sexta-feira em São Paulo. Mais um dia. Menos outro. Vamos brincar de ciranda. Vamos dançar. É sempre assim. Como você dorme se tem insônia? Não tenho insônia. Mas você acabou de me dizer...É só um personagem quem disse. E você sem o personagem? Não existo. Não existe. Não acredito, não. Então tenta encostar. E eu? Feito de linhas e sílabas. Cansei. Então se suicida. Não consigo, não posso. Não quero. Quero viver. E ouvir o Cartola. Então vamos. Espera. Será que ela deixa? Ela quem? Deixo.

Escutaram Cartola, entre a chuva e o riso.

Vamos dançar. Vamos sumir.

Agora.

(...)

quinta-feira, 12 de janeiro de 2012

deixa o quarto azul

Ler ao som de Plástico Lunar - Quarto Azul

Ela não dormia, não dormia, já passava das cinco e quarenta e três e nada, ela não fez absolutamente nada, nada, pequenos movimentos, roer unha compulsivamente até sangrar, fumar trinte e quatro cigarros e tomar alguns comprimidos. Ela esperou o dia inteiro para escrever e nada acontecia, nada, ele leu poemas por três segundos e enjoou, estava no ápice do tédio, queria qualquer coisa sem eixo, que a quebrasse inteira, era isso, ou não. Escutou músicas, desmanchou a luminária que não funcionava e obviamente não consegui consertar, tentou achar um livro e desistiu depois de cinco minutos de procura. Não quis ver filmes, não quis ler Pessoa, ela não consegue dormir, não aguenta mais sonhar com a mesma coisa, não aguenta mais deitar sobre o lençol vermelho e acordar com o corpo doendo, não aguenta mais arrancar pele dos dedos, não tem mais cigarro, ela procura nos bolsos do casaco, nada, ela pensa em ir comprar na padaria mais próxima e desiste, óbvio, tem medo de sair, está morrendo de tédio e desmanchando em si mesmo.
Lembrou do boteco copo sujo e de como havia ar ali, apesar da música ruim, apesar das pessoas falando sem parar e transbordando histórias e energias, havia vida ali, meu bem, e não há vida nesse quarto que você insiste em habitar. Ela lembrou de seu reflexo no espelho e de como estava branca, pensou em tomar mais sol, mas detesta sol, sua pele arde. Lembrou do gosto e da Lua nascendo, a maldita caneta girando nos dedos, ação que escapa aos grandes acontecimentos da história, ela pensava neste instante que certos acontecimentos ficam fora dos livros de ensino médio, será bom? Ações cotidianas e deliciosas ou insuportáveis, será que a nova geração vai estudar o motivo de tanta insônia? O pensamento dela está tortuoso e sem sentido, como se alguma vez..deixe para lá. Depois de girar a caneta o garoto resolveu retirar pedaço por pedaço, desmanchar a caneta, como ela fez com a luminária, porém a caneta ainda funciona, ela engoliu outro halls preto, ele molhou os lábios no copo de cerveja, sempre álcool, sempre, poderia ser uma droga mais pesada, mas não era, não mesmo? Ela não consegue dormir, o cigarro acabou.
Ela arrumou o óculos no rosto e começou a girar ao som da música no tom da música no quarto azul com lençol vermelho sem ninguém, ela tropeçou em si mesma, ela tropeçou no clichê de si e machucou os joelhos e arranhou a mão, os pés doem também, as canelas sempre doeram, sempre, sempre sempre sempre, malditos tênis baixo, ela sente um gosto de cigarro na boca, ela não consegue dormir, ela procura cigarro, as costas doem, péssima postura, sempre sempre, ela não consegue sair de sua casa.
Ela adora acontecimentos que pairam, ela é tão entediada, tentou espreguiçar e lembrou do livro, vai, era apenas um xerox barato, lembrou dos dois deitados no chão, ela tentava ler algum trecho, algo que falasse sobre revoluções, talvez fosse isso, lembrou do cheiro de vodka, e da vontade em que sentiu de entregar aquele monte de folhas para o menino, e foi o que fez, com suas mãos pequenas apanhou o livro e estendeu para ele, que sorria, ela acordou, ela foi embora sem as folhas, chegou em casa e não conseguia dormir, temia por sonhos perturbados, talvez a insônia fosse mais aterrorizante que os pesadelos, nunca vou saber. Ela estava deitada sobre o lençol vermelho, talvez uma dose de sono, até que a respiração foi mais forte, e exclamou quase sussurrando que sua letra estava naquele livro, suas anotações, seus contos e devaneios, pitadas de sangue e de gozo, respirou fundo e não quis se levantar, mas sabia que o sono agora seria um fracasso certo, talvez ele não repare, talvez seja invenção, como tudo que ela inventa, inventa pra fugir do tédio, inventa pra fugir do quarto azul com lençol vermelho, inventa e mescla.
Lembrou que o casaco dele havia ficado com ela, levantou com pressa da cama, o que era raro, seus movimentos raramente cotavam com rapidez, procurou o casaco na mochila, as mãos foram direito para o bolso, e lá estava um maço cheio de cigarro, sentou no chão gelado como em tantas outras vezes, acendeu e se deliciou, pensou no convite, aceitou em silêncio, tragou e pensou em escrever, outro fracasso constante, o tédio iria estourar seus tímpanos, assim pelo menos iria se distrair, pensou Ana. A monotonia estava dilacerando aquela menina com seus cacos de vidro, se pudesse beber alguma gota do líquido que havia na garrafa, quem sabe assim não poderia perder o eixo, embriagar-se e sentir mais uma dose de vida.
Terminou o cigarro, fumou outro, estava amanhecendo, pensou nos diálogos distraídos, nos passos aéreos, pensou e não entendeu nada, muito menos o silêncio e o motivo da luminária não funcionar, pensou em ligar, mas já era tão tarde, ou cedo, e detestava falar por telefone, já não precisava de luz para iluminar o quarto, talvez ela tenha exagerado na prosa, faltado na rima e confundido a poesia, talvez seja a ausência do sexo, pensou rindo, excesso de toques, gostares, muito açúcar, acrescente um pouco de limão, talvez não seja nada, entende? não há nada. Ela não consegue dormir, queria falar menos, queria tanta coisa, não queria absolutamente nada, quem sabe inventar qualquer dose de amor para misturar com rum, quem sabe assim sentiria algum gosto além de fumaça, Ana queria loucura, estava em um ritmo alucinante há alguns dias, e de repente se via presa naquele quarto azul, Ana queria qualquer coisa, só não queria dormir. Por isso apagou seu cigarro pela metade, levantou, deitou em sua cama e dormiu.

beijo sem rum(o)

segunda-feira, 9 de janeiro de 2012

pessimismo inalado

Magro e moreno, encostou na parede e acendeu um cigarro, a moça pediu o isqueiro, ele emprestou sem sorrir, destilava indiferença, apesar disto reparou no joelho da garota que estava sangrando. – que que você fez ai? – cai. Disse com uma voz seca. – é bom lavar. – pois é. – caiu como? Ela olhou com desprezo. – não lembro. Ele apagou o cigarro e foi embora, ela ficou olhando os passos tímidos e desleixados, reparou que o machucado estava realmente feio, sentia dor e medo do contato com a água, detestava sangue. Ele olhou pra trás, ela gostou, apagou seu cigarro e entrou no próximo boteco, pediu uma cerveja e foi até ao banheiro lavar sua perna, o sangue escorria, a dor era aguda, passou sabonete de leve, ardeu ainda mais. Ela realmente não se lembrava de como havia caído, não era ironia, não desta vez, estava bêbada de rum, talvez tenha caído em cima dos cacos da garrafa, provável...pensou ela. Saiu do banheiro andando com dificuldade, fazia frio e ela vestia um short curto, sentou na mesa e percebeu que o moço quem emprestou o isqueiro estava ao lado – lavou o machucado? Que porra de importância tem isso pra esse cara.. pensava ela. – Sim, lavei. – Tenho esparadrapos na minha mochila, se você quiser... Ana não sabia se era a ausência de sono por três dias, o excesso de álcool, ou realmente aquela conversa não fazia o menor sentido, ela disse que queria, ele não só apanhou um pedaço de esparadrapo como um algodão bem macio, a perna dela estava apoiada em outra cadeira, ele foi até lá e fez o curativo, ela ficou um pouco sem ação, analisando aquilo tudo, mesclando ao cinema e a prosa, como sempre. – Obrigada. – De nada.

Até poderiam iniciar uma conversa, talvez um flerte, vontades, eram bonitos, interessantes, beberiam algumas cervejas, risadas, quem sabe confissões, promessas, falar de poesia, rima, prosa, arte, sexo, claro, sempre sexo, e o corpo cada vez mais próximo, contato visual aumentando, contato físico aos poucos, faísca, um convite para ir ao apartamento dele ouvir um Mutantes, se beijar com vontade no elevador, arrancar a alça da blusa para beijar o ombro, sexo, lençol amassado, roupas no chão, mais conversas, risadas, ou não, mais sexo, o ritmo, o corpo absorvendo a pele do outro, engolindo a textura e o que tiver mais, acordar sem graça, trocar algumas palavras, talvez anotar o telefone, quem sabe preparar um café, algo do tipo, algo bem assim, bem cotidiano, mas ao mesmo tempo sem eixo, ela poderia anunciar que iria embora, apesar de ficar mais, ler um pouco de Leminski, e claro, como esquecer a metalinguagem de si mesmo, falariam sem parar de como aquele encontro era surreal, entre outros adjetivos que poderiam usar, enfim alguma hora conseguiria ir embora, ele ofereceria uma carona, ela prefere ir a pé, talvez um beijo nos olhos, aquela maldita ternura entre desconhecidos, e logo depois daquela noite, estariam sozinhos novamente, cheios de si mesmo, talvez se procurassem, ou não, acho que não, ele não iria procurá-la, talvez ela sim, não sei, não sei, não foi nada disso que aconteceu, nada disso, são apenas hipóteses banais que ocorrem com uma frequência recorrente. O flerte, o apaixonar, o inventar o outro e a si mesmo para experimentar, o começo, o cheiro, a primeira noite que se compartilha o sono, entre tantas coisas que existem nesse leque enorme. Mas os meus personagens se restringiram a poucas falas e um contato físico excêntrico, pouparam a si mesmos da monotonia do depois, porém não gozaram do que excita, atrai, transtorna, faz perder a hora e duvidar do tempo, não gozaram, sem cheiros alheios no corpo do outro, sem saliva no pescoço, sem marcas na coxa. Ela tomou sua cerveja sozinha, e ele bebeu outra dose de indiferença, já chegou a virar garrafas desse líquido, é vício, ela pagou a conta primeiro, sai sem rumo e ele saiu sem ela. Sem depois, sem forjar qualquer coisa espontânea, sem oscilações, cada um em seu passo, tropeçando nas próprias palavras, ou na dos outros, ou na ausência delas. Ela chegou no apartamento, colocou a mão sobre o curativo, jogou seu corpo no sofá e dormiu, dormiu e sonhou, sonhou com seus tormentos, o corpo ainda estava muito cansado e perturbado, apesar do gosto doce que Pedro não sentiu, nem quis sentir. Pedro foi para casa, pensou na perna da menina, leu seu livro e dormiu cedo. Sem problemas por hoje, sem problemas para eles, sem amores platônicos e espera incessante por ações alheias, sem vida, sem risco, sem faísca. Assim Ana e Pedro dormiram, separados. Salvos do tédio da ação posterior, salvos dos desencontros e desentediamentos. Insuportavelmente salvos e lúcidos, sem perder hora, sem se perder no lençol, sem se perder em si mesmo, Ana e Pedro, lúcidos, dormindo separados, cada um em uma extremidade da cidade de São Paulo.

por hora é isso. por hora é assim e está bom. sem vontades suicidas, sem transporte público, talvez cama e chuva, era isso.

Ana acorda tarde, Pedro trabalha cedo, mas adora dormir, Ana falava muito, Pedro quase nada, Ana e Pedro, Pedro e Ana, sem textura e sem pele. Mecanização dos atos. É isso.