sábado, 20 de novembro de 2010

as cartas que eu não mando

No Rio de Janeiro, hoje é vinte e três do três, faz um calor insuportável, as pessoas andam pela orla da praia, dezoito horas e trinta e sete minutos, o sol ainda suspira, a moça ainda está na deitada na areia, e o namorado joga vôlei, paira um perfume gostoso no ar, um vestido amarelo da cor do seu cabelo, fim de tarde bonito demais.
Alguém passa cantarolando balada-do-amor-inabalável, na calçada, os dois sentados, ela toma um suco, ele observa, Ana usa um vestido azul da cor do silêncio, ele não fala muito, é tudo tão nostálgico, essa coisa que o passado é sempre mais belo, essa coisa de não nos ater as lembranças amargas, existe um filtro, talvez seja bom.
Ela sorri, encosta a cabeça no ombro dele, ele parece um pouco acuado, assustado, faz tanto tempo, tanto tempo, será que já fez o bastante pra esfriar tanto? Não. Ele faz carinho nos cachos dela, ela fala bastante, e não fala nada, ele destila palavras que remetem ao tempo em que dividiam a mesma cama, as frases pesam o ar, ela olha triste, olha nos olhos dele, ele encosta a cabeça no ombro dela e tem vontade de chorar, mas não chora.
Ela começa cantarolar mesmo-que-a-gente-se-separe-por-uns-tempos-ou-quando-você-quiser-lembrar-de-mim-toque-a-balada-do-amor-inabalável. O desencanto desaparece, ele sorri daquele jeito, aquela risada, aquela risada dele, específica dele, toda dele, só dele, Ana termina o suco e aperta as mãos do moço, as palavras são leves, dançam no ar, como a conversa, que apesar de ser feita com bastante silêncio, flui toda bonita, toda sincera, toda os dois.
Ele olha pra boca dela, ele olha pro pingente dela, e retoma aos olhos, e depois de um suspiro quase sorrindo fala assim, sem censura:
- Foi tão gostoso conversar aquele dia.
Ana arregala os olhos, e meche nos cachos, depois no pescoço, e por fim as palavras tropeçam e caem no ar:
- Sério? Achei que você me acharia estranha e ficaria perturbado.
Antes que ele falasse algo, a moça continuou:
- Foi gostoso mesmo; quando você falou comigo...fiquei tão sem ação.
Ele sorriu bonito e concluiu:
- Olha, estranha você já é, e perturbado eu também já sou, então a gente não tem nada a perder.
Ana olhava..olhava..queria falar sobre aquele diálogo, queria contar as idéias sobre fazer uma cena de teatro, cinema, que seja, talvez poesia, isso, poesia! Mas as palavras não queriam pairar no ar, o corpo gritou mais alto, ela o abraçou, ele não entendeu, mas o corpo também gritou, e depois de tantos anos, estavam se abraçando, estavam se abraçando, estavam se abraçando, eles estavam se abraçando, no dia vinte e três do três, naquele calor insuportável, ela de vestido azul e ele com aquele olhar, que certamente foi inventado pela memória. Não importa, só sei que eles se abraçaram por tanto tempo que acho que até hoje ainda estão lá...naquele abraço que demorou tanto tanto e tanto e não parou mais.

Ana T.

sábado, 13 de novembro de 2010

Era dia, era sol, era um trem das cores, tantas frases escritas com aquela caneta azul, o caderno típico, personagens e outra cositas mais, conversavam sobre nem sei o quê, sobre o azul celeste celestial, Ana ria, fechava os olhos, acendia outro cigarro, e observava todos que ali fumavam, tocava a fumaça com o olhar e sentiu frio, a noite vinha, a chuva apareceu despercebida, a conversa continuava sem presa.
Estava indiferente, apesar do sorriso, estava em silêncio, em um silêncio distraído, ás vezes pronunciava algum silaba, mas não expressava tristeza, Ana estava um pouco enjoada de si mesma; acontecimentos típicos do cotidiano, erro, ruído, caos e outras cositas mais.
O cabelo despenteado, a blusa antiga, tomava um chá gelado, tragava, fitava a fumaça, Ezequiel ria bastante, falava em alto e bom tom, com as mãos, com a boca, com o corpo inteiro, Ana queria-qualquer-coisa-que-fosse-diferente-daquilo-apesar-de-não-ter-motivo-pra-tal, mas desde quando precisamos ter motivos? Pensava ela, entediada, não da situação, mas dela própria, Ana bocejou, nada era lindo, nada. Sem tesão, sem vontade e sem apetite, só queria outro cigarro, mas havia acabado, sentia um cansaço por nada, por falta de alguma-coisa-qualquer-que-não-sabia-o-que-era, crise existencial? Ah, não.
Os ratos soltos na praça, os olhares sorrindo, as frases soltas sobre uma beleza aleatória inexistente, inexistente pra Ana, mas todos insistiam em dizer o contrário, ela infelizmente respondia com o silêncio, ora ou outra mordia os lábios ou suspira fundo, queria sair de lá, gritar bem alto e sentir dor, mas não, estava estática, naquela pose tediosa, estava inquieta, mas queria expressar uma face serena, era patético, e Ana sabia.
Em certos instantes, ela sorria, aquele perfume dele no ar, ora a pele encostava-se à dela, pensou até que iria escrever, escrever coisas geniais, literárias, sinestésicas, e blábláblá, mas não, era ilusão pura, pura ilusão, fazia tanto tempo que não escrevia nada, nada, nada, aquela tela branca ficava encarando o rosto de Ana.
Segundos, segundos, tic-tac-tic-tac, parou a chuva, vamos embora, está ficando tarde, ah que bom, carro, trânsito, inferno, certos comentários ecoavam, um desencanto na garganta consigo mesmo, frases também estavam por lá, frases ásperas, frias e secas. Estava calada, alguém perguntava pelo seu silêncio, ela sorria, é sono, claro.
Despedidas frias, não era praxe, desceu do carro, caia um sereno, andou depressa até o prédio, não cumprimentou o porteiro, subiu até o segundo andar de escadas, procurou as chaves parada na frente da porta, sentia raiva, entrou em casa, estava em seu quarto, não tinha mais ninguém, os livros, achou o caderno, caderno vermelho, folhas tão bonitas, desenhos, escritos, poesia, não era lindo, não era nada lindo, era triste, desesperado, arranhava o corpo inteiro, sentiu raiva, muita raiva, e pensou em rasgar todas aquelas folhas, uma por uma, imaginou o depois, a tristeza, o desespero, mas mesmo assim, o impulso concretizou a idéia.
A primeira folha foi com ódio, parecia cortar a pele, a segunda teve vontade de chorar, mas gritava em silêncio que era patética e tola, aquele papel picado no chão, mais de dez folhas rasgadas, histórias, delírios e tanta tristeza, assim, no azulejo de tédio, não era nada lindo, nada era lindo, era tudo tão cinza e cheio de dor.

Ana T

Será que ficou meio incompleto? Desde quando as coisas têm fim?
Câmbio/Desligo