quarta-feira, 23 de janeiro de 2013

no verso

ando a pé
hoje fui ao correio
das três cartas que enviei
duas não me identifiquei
- sem remetente, moça?
me perguntava educadamente a atendente
- sim, acho que não importa.
não, não me venham com crises de identidade

também esqueci de inserir o nome dos destinatários
só restou o endereço
em um pedaço de papel
talvez as palavras se percam por ai

que diferença faz
elas se perdem todos os dias

domingo, 13 de janeiro de 2013


 ---------- Mensagem encaminhada ----------
De: Raquel
Data: 11 de janeiro de 2013 01:46
Assunto: Sufoco
Para: Carlos


às vezes eu acho que eu vou

                                                           surtar
desço os degraus da escadaria
da sé
pego o metrô às cinco e meia da manhã
encaro o pequeno apartamento
o restaurante francês, peço uma dose de cicuta
e espero comentários inteligentes
é tanta tristeza
engulo seco
e prossigo
ora eu recuo ora eu tropeço
um movimento contínuo
cíclico, eu diria

às veze eu tenho medo de

                                                         surtar
você já pensou
o quão insuportável é
                                             ser taxado todo tempo de louco
- você é louco, menino
- coitadinho, ele é louco
- incomunicável
- um gênio
- mas não sabe falar
- olha ela
- tão lindinha com esses olhos puxados
- mas tão louca
- impulsiva
- quebra cinzeiros de cristal aos cinqüenta
- todos loucos

 transbordam nas bordas
                                           das arestas
                                                                 de seus quadros

e eu
me contorço
engulo qualquer coisa
e acho
que engoli
o nó
              em minha garganta
                                                   mas ele fica, não some.

eu
os loucos em seus quadrados
perfeitos
suas arestas
eu com medo
medo de surtar
medo de ser louca
medo de sufocar por não ser
louca
por não transbordar

respiro
e tudo gira
talvez seja labirintite
ela grita
ele nega a transação
ela se desfaz - com raiva e desprezo - dos pequenos objetos dele
os estilhaça

e eu procuro desesperadamente a razão

o motorista de ônibus não acelera
o louco cobre a mão com um pacote de pão

eu tinha dezessete anos

o motorista acelera
o pai grita
o filho vomita

e eu
com os meus quinze
achando que ter tv a cabo
é o grande problema
vomito junto com o garoto
qualquer coisa
que pareça
um emaranhado de culpa e tédio

ele grita
será que eu fiz merda de novo?
eu não durmo
com a cena
ecoa ecoa ecoa

acordo
sem paz
não se engane
dormi mais de doze horas
meus ossos doem

acordo em um tom mais claro
talvez cinza

mas sabe
ando cansada
de lamber a dor dos outros
de engolir a cicatriz
de beijar os pulsos cortados do menino

ando cansada
não se engane

não me venha dizer que é altruísmo
pois não é
não restrinja os meus labirintos ao seus costumes cristãos

talvez seja um vicio, algo como roer unhas
e colocar limão depois
não
também não me venha com psicanálise
masoquismo
não me venha com nada
quero dormir

decidi então
a partir de hoje
não chorar mais
não por isso.

um beijo amargo

Ana T.