ando a pé
hoje fui ao correio
das três cartas que enviei
duas não me identifiquei
- sem remetente, moça?
me perguntava educadamente a atendente
- sim, acho que não importa.
não, não me venham com crises de identidade
também esqueci de inserir o nome dos destinatários
só restou o endereço
em um pedaço de papel
talvez as palavras se percam por ai
que diferença faz
elas se perdem todos os dias
quarta-feira, 23 de janeiro de 2013
domingo, 13 de janeiro de 2013
---------- Mensagem encaminhada ----------
De: Raquel
Data: 11 de janeiro de 2013 01:46
Assunto: Sufoco
Para: Carlos
às vezes eu acho que eu vou
surtar
desço os degraus da escadaria
da sé
pego o metrô às cinco e meia da manhã
encaro o pequeno apartamento
o restaurante francês, peço uma dose de cicuta
e espero comentários inteligentes
é tanta tristeza
engulo seco
e prossigo
ora eu recuo ora eu tropeço
um movimento contínuo
cíclico, eu diria
às veze eu tenho medo de
surtar
você já pensou
o quão insuportável é
ser taxado todo tempo de louco
- você é louco, menino
- coitadinho, ele é louco
- incomunicável
- um gênio
- mas não sabe falar
- olha ela
- tão lindinha com esses olhos puxados
- mas tão louca
- impulsiva
- quebra cinzeiros de cristal aos cinqüenta
- todos loucos
transbordam nas
bordas
das
arestas
de seus quadros
e eu
me contorço
engulo qualquer coisa
e acho
que engoli
o nó
em minha
garganta
mas ele fica, não some.
eu
os loucos em seus quadrados
perfeitos
suas arestas
eu com medo
medo de surtar
medo de ser louca
medo de sufocar por não ser
louca
por não transbordar
respiro
e tudo gira
talvez seja labirintite
ela grita
ele nega a transação
ela se desfaz - com raiva e desprezo - dos pequenos objetos
dele
os estilhaça
e eu procuro desesperadamente a razão
o motorista de ônibus não acelera
o louco cobre a mão com um pacote de pão
eu tinha dezessete anos
o motorista acelera
o pai grita
o filho vomita
e eu
com os meus quinze
achando que ter tv a cabo
é o grande problema
vomito junto com o garoto
qualquer coisa
que pareça
um emaranhado de culpa e tédio
ele grita
será que eu fiz merda de novo?
eu não durmo
com a cena
ecoa ecoa ecoa
acordo
sem paz
não se engane
dormi mais de doze horas
meus ossos doem
acordo em um tom mais claro
talvez cinza
mas sabe
ando cansada
de lamber a dor dos outros
de engolir a cicatriz
de beijar os pulsos cortados do menino
ando cansada
não se engane
não me venha dizer que é altruísmo
pois não é
não restrinja os meus labirintos ao seus costumes cristãos
talvez seja um vicio, algo como roer unhas
e colocar limão depois
não
também não me venha com psicanálise
masoquismo
não me venha com nada
quero dormir
decidi então
a partir de hoje
não chorar mais
não por isso.
um beijo amargo
Ana T.
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