Todos os meus cafés ficam terríveis. O gosto amargo é
presença garantida. Ou fica fraco em demasia, ou o líquido preto me engasga. Eu
não sei fazer café.
Ontem senti dó de uma senhora, ela usava uma calça preta
colada e uma blusa verde. – Não vou me desanimar agora. Ela dizia em um tom
triste. Eu, que nem na conversa estava, saí às pressas para não chorar em
público. O que diria aos outros? Que chorava por uma desconhecida? Seria então mais
uma prova da minha excentricidade diante aos olhos alheios, ou apenas uma
tentativa de exposição. Eu não me encaixo.
Quinta a tarde caiu um temporal, outro, subi as escadas rapidamente, cheguei ofegante, adentrei o espaço, derrubei meu lápis, todos
olharam, sentei. O gosto amargo era forte em minha boca, em minha pele e em meu
estomago. Senti vontade de vomitar. A tontura não calava. Me levantei, estava
tudo fechado demais. Entrei no banheiro, sentei no chão e chorei, chorei por
muito tempo, chorei sem respirar. E nada aliviava.
Terça reparei que ela estava no mesmo ônibus que o meu,
sempre conversei com a garota, entretanto, a grande maioria a taxava como uma
patética, como se não fossemos todos. Havia um tempo que não a encontrava, ela
me olhou, sorriu, eu sorri, mas não acenei. Fizemos o mesmo caminho, cada uma
em uma rua distinta. Entramos no mesmo ambiente, logo em seguida saí, queria um
copo de água e um bom fumo, entretanto, exagerei. Quando voltei para o espaço,
as luzes estavam apagadas, todos respiravam alto, e ela estava tão próxima, eu
olhei assustada, ela sorriu mais uma vez. Eu não queria estar ali, ela sabia
bem disso. – Me empresta uma caneta? – Claro. Eu agradeci com o olhar. O escuro
me incomodava muito naquele instante. Resolvi ir embora, ela faria o mesmo
percurso que eu. – Vou embora às dez horas, você vai pra casa? Fiquei estática,
morna e amorfa. Gaguejei. Pensei nos outros. Ela ali tão doce, e eu tão idiota.
Menti, disse que iria demorar. Ela me disse algo, eu não entendi, escutei
qualquer coisa como: eu sei que você me odeia. Arregalei os olhos e ela sorriu,
pela terceira vez. Não, a garota não disse absolutamente nada disso. Ela
levantou e foi embora, magra e morena. E eu ali sentada. Certamente minha
companhia não seria nada demais, a minha ausência não fez a menor diferença.
Mas aquela imagem me perturbou, eu tão patética, gaguejando. Ela tão mulher,
tão sozinha e pouco se importando.
Ando com medo de morrer. Minto, ando com medo que os outros
morram. Sinto constantemente um gosto amargo, um nó no estômago. Clamo pelo
toque, mas sinto repulsa em seguida. Não escrevo mais, mas ainda tento. Comprei
tintas e tela há dias, e elas continuam estáticas na segunda estante próxima a
porta. Às vezes quero chorar, mesmo, parece que vou vomitar, mas nada acontece,
fico engasgada, sufocada. É o dó, a detestável e intragável pena dos outros,
dos olhos cansados, da dona de casa que engordou, do professor que de tanto
gritar, perdeu a voz. Eu tento chorar e não consigo. Ora a pena falta, ora
vomito seu excesso. A tinta, mesmo que tao próxima, se faz ausente. O grito sobra, oco e sozinho.
Meu fumo acabou há sete dias. Estou enlouquecendo.
Meu fumo acabou há sete dias. Estou enlouquecendo.
Eu tento parar de tragar, mas engasgo. Penso no passado, nas
lacunas de repressão que engoli porque quis. E te culpo. Uma dose de culpa
acompanha bem o café.
- Por favor, acrescente ao café, uma pitada de pena e outra
de culpa. Assim, bem cristão.
Mesmo com o gosto ruim, tomei uma xícara inteira do meu
café.
Afinal, ele é meu, e só meu.
Ana T.