sábado, 26 de setembro de 2009

Vida Miserável.

Tadinha, mãe de cinco filhos, empregada doméstica, a patroa era o capeta e ainda por cima não pagava direito.
A coitada não podia largar o emprego, lá pelo menos ela possuía algum sustento. Dois filhos já eram adultos, trabalhavam em um camelô no centro, mas ainda moravam com a mãe, os outros três eram adolescentes, um estava encrencado com as drogas, os outros eram da Igreja.
Todos homens, sem nenhuma menina para dar uma certa ternura feminina para mãe. Ah...o marido? Morreu picado por uma cobra no canavial onde trabalhava, ai a esposa juntou os cinco filhos e vieram todos tentar a vida em São Paulo.
Ela virou crente, ia para o culto todos os dias, orava...orava...doava metade do seu salário para Igreja. Tadinha...os pastores eram um bando de filhos da puta que roubavam o dinheiro dela...e de todos os fieis, não só isso..roubavam também o tempo e toda razão que eles possuíam, em troca recebiam um consolo ilusório para aguentar tanta miséria.
O filho mais novo foi preso, a mão desmoronou....chegava atrasada no emprego e agüentava calada os desaforos da patroa, tinha que chorar dentro daquele banheiro minúsculo, sentada na privada, com a bíblia na mão....
Pediu para Igreja orar pelo filho preso...fazer o que...ela não tinha dinheiro para contratar advogado.
Agora vivam os cinco na casa de um cômodo, dois dormiam juntos...outros dois no chão...e o caçula com ela...Ai um dia desse todos eles foram para o culto, por um pedido choroso da mãe, iram orar pelo irmão.
Pois é...o dinheiro que ela e todos aqueles fieis davam para as obras da Igreja deve ter sido usado para bancar o carro zero de cada um dos pastores, além das festas particulares que eles deram....enquanto isso o teto da casa do Senhor continuava precisando de reforma.
E bem no dia em que a família toda estava lá...desabou tudo, todos morreram inclusive a mãe e os quatro filhos.
O que estava na cadeia ficou louco quando soube e resolveu cortar os pulsos..não deu muito certo e então resolveu se enforcar.
Todos foram enterrados juntos, porém sem um túmulo, sem uma lápide...se não tiverem condições nem para nascer, quem dirá para morrer.
Ninguém foi visitar, ninguém foi deixar flores...
Eles não influenciaram o mundo em nada, nem com a vida e muito menos com a morte.
Triste né, pena que é real.

Ana T.

sábado, 12 de setembro de 2009

Um dia desses...

Acordei super bem e disposta, tomei suco de laranja. Dormi bem.
Acordei te procurando na cama, não te vi.
Levantei com preguiça e procurei por um bilhete, não achei.
Nem azul, nem amarelo.
Resolvi passar na padaria e comprar guloseimas, achei os amanteigados que você tanto gosta.
Suco de laranja para mim, de abacaxi para você, cinco pães quentinhos e pães de queijo para alegrar a manhã.
Cheguei em casa, não te achei, mas mesmo assim resolvi preparar a mesa para o café.
Que bonito...coloquei margaridas para enfeitar e Beatles combinava com a claridade serena.
Dois pratos, dois copos...mesa para dois. Eu sento um pouco na cadeira, te espero mas você não vem. Tomo meu suco lendo Jorge Amado, resolvo não comer nada.
Escovo os meus dentes, lavo meu rosto e ainda não te vejo, arrumo a cama e sinto teu cheiro.
Preciso sair, troco de roupa e coloco aquele vestido bem bonito que você tanto adora.
A tua ausência ainda grita, eu resolvo te deixar um bilhete em cima da cama.
Escrevi em duas linhas, com caneta esferográfica em um papelzinho azul.
Mas daí eu lembrei...que para mim...você não existe mais...
Amassei o papel, tirei um prato e um copo da mesa, joguei as margaridas no lixo e sai.
Sem bilhetes e com a tua ausência fazendo um barulho ensurdecedor.

Ana T.

domingo, 6 de setembro de 2009

Um Soneto.

Para André:

Soneto de vinho.

És Ezequiel no olhar.
Dionísio na face.
As tuas mãos são fugitivas.
Teus olhares efêmeros.

És vinho na essência.
Poesia nas palavras.
A intensidade te faz refém de suas próprias ações.
E tua melodia doce deixa reles mortais desconcertados.

Destila por muitas vezes a inocência.
Que se contrapõe constantemente com a tua audácia voraz.
És paradoxal no sentido mais belo.

Usa da razão como refúgio dos prazeres que lhe geram medo.
Apesar das vozes opostas em sua mente prefere a realidade dos sentidos.
Sendo assim, a flor da pele.


Com amor, Raquel.