No Rio de Janeiro, hoje é vinte e três do três, faz um calor insuportável, as pessoas andam pela orla da praia, dezoito horas e trinta e sete minutos, o sol ainda suspira, a moça ainda está na deitada na areia, e o namorado joga vôlei, paira um perfume gostoso no ar, um vestido amarelo da cor do seu cabelo, fim de tarde bonito demais.
Alguém passa cantarolando balada-do-amor-inabalável, na calçada, os dois sentados, ela toma um suco, ele observa, Ana usa um vestido azul da cor do silêncio, ele não fala muito, é tudo tão nostálgico, essa coisa que o passado é sempre mais belo, essa coisa de não nos ater as lembranças amargas, existe um filtro, talvez seja bom.
Ela sorri, encosta a cabeça no ombro dele, ele parece um pouco acuado, assustado, faz tanto tempo, tanto tempo, será que já fez o bastante pra esfriar tanto? Não. Ele faz carinho nos cachos dela, ela fala bastante, e não fala nada, ele destila palavras que remetem ao tempo em que dividiam a mesma cama, as frases pesam o ar, ela olha triste, olha nos olhos dele, ele encosta a cabeça no ombro dela e tem vontade de chorar, mas não chora.
Ela começa cantarolar mesmo-que-a-gente-se-separe-por-uns-tempos-ou-quando-você-quiser-lembrar-de-mim-toque-a-balada-do-amor-inabalável. O desencanto desaparece, ele sorri daquele jeito, aquela risada, aquela risada dele, específica dele, toda dele, só dele, Ana termina o suco e aperta as mãos do moço, as palavras são leves, dançam no ar, como a conversa, que apesar de ser feita com bastante silêncio, flui toda bonita, toda sincera, toda os dois.
Ele olha pra boca dela, ele olha pro pingente dela, e retoma aos olhos, e depois de um suspiro quase sorrindo fala assim, sem censura:
- Foi tão gostoso conversar aquele dia.
Ana arregala os olhos, e meche nos cachos, depois no pescoço, e por fim as palavras tropeçam e caem no ar:
- Sério? Achei que você me acharia estranha e ficaria perturbado.
Antes que ele falasse algo, a moça continuou:
- Foi gostoso mesmo; quando você falou comigo...fiquei tão sem ação.
Ele sorriu bonito e concluiu:
- Olha, estranha você já é, e perturbado eu também já sou, então a gente não tem nada a perder.
Ana olhava..olhava..queria falar sobre aquele diálogo, queria contar as idéias sobre fazer uma cena de teatro, cinema, que seja, talvez poesia, isso, poesia! Mas as palavras não queriam pairar no ar, o corpo gritou mais alto, ela o abraçou, ele não entendeu, mas o corpo também gritou, e depois de tantos anos, estavam se abraçando, estavam se abraçando, estavam se abraçando, eles estavam se abraçando, no dia vinte e três do três, naquele calor insuportável, ela de vestido azul e ele com aquele olhar, que certamente foi inventado pela memória. Não importa, só sei que eles se abraçaram por tanto tempo que acho que até hoje ainda estão lá...naquele abraço que demorou tanto tanto e tanto e não parou mais.
Ana T.
Alguém passa cantarolando balada-do-amor-inabalável, na calçada, os dois sentados, ela toma um suco, ele observa, Ana usa um vestido azul da cor do silêncio, ele não fala muito, é tudo tão nostálgico, essa coisa que o passado é sempre mais belo, essa coisa de não nos ater as lembranças amargas, existe um filtro, talvez seja bom.
Ela sorri, encosta a cabeça no ombro dele, ele parece um pouco acuado, assustado, faz tanto tempo, tanto tempo, será que já fez o bastante pra esfriar tanto? Não. Ele faz carinho nos cachos dela, ela fala bastante, e não fala nada, ele destila palavras que remetem ao tempo em que dividiam a mesma cama, as frases pesam o ar, ela olha triste, olha nos olhos dele, ele encosta a cabeça no ombro dela e tem vontade de chorar, mas não chora.
Ela começa cantarolar mesmo-que-a-gente-se-separe-por-uns-tempos-ou-quando-você-quiser-lembrar-de-mim-toque-a-balada-do-amor-inabalável. O desencanto desaparece, ele sorri daquele jeito, aquela risada, aquela risada dele, específica dele, toda dele, só dele, Ana termina o suco e aperta as mãos do moço, as palavras são leves, dançam no ar, como a conversa, que apesar de ser feita com bastante silêncio, flui toda bonita, toda sincera, toda os dois.
Ele olha pra boca dela, ele olha pro pingente dela, e retoma aos olhos, e depois de um suspiro quase sorrindo fala assim, sem censura:
- Foi tão gostoso conversar aquele dia.
Ana arregala os olhos, e meche nos cachos, depois no pescoço, e por fim as palavras tropeçam e caem no ar:
- Sério? Achei que você me acharia estranha e ficaria perturbado.
Antes que ele falasse algo, a moça continuou:
- Foi gostoso mesmo; quando você falou comigo...fiquei tão sem ação.
Ele sorriu bonito e concluiu:
- Olha, estranha você já é, e perturbado eu também já sou, então a gente não tem nada a perder.
Ana olhava..olhava..queria falar sobre aquele diálogo, queria contar as idéias sobre fazer uma cena de teatro, cinema, que seja, talvez poesia, isso, poesia! Mas as palavras não queriam pairar no ar, o corpo gritou mais alto, ela o abraçou, ele não entendeu, mas o corpo também gritou, e depois de tantos anos, estavam se abraçando, estavam se abraçando, estavam se abraçando, eles estavam se abraçando, no dia vinte e três do três, naquele calor insuportável, ela de vestido azul e ele com aquele olhar, que certamente foi inventado pela memória. Não importa, só sei que eles se abraçaram por tanto tempo que acho que até hoje ainda estão lá...naquele abraço que demorou tanto tanto e tanto e não parou mais.
Ana T.