terça-feira, 21 de fevereiro de 2012

quarta-feira de cinzas

Ler ao som de: Cê tá pensando que eu sou loki? - Arnaldo Baptista

e o carnaval veio
ainda está passando
transição
transitório
água do mar, areia branca
pés descalços
fugir do caos alheio
e mergulhar no meu
acordar sem pressa, em meio a tanto calor
lençol fora da cama
tomar um café, sentir a brisa
sentar no banco, olhar o mar
conversar, tropeçar nas palavras
contar da vida, contar os pequenos detalhes
ouvir com os olhos e alma
olhar de perto a interação e o afastamento
o silêncio e o olhar
cair ao entardecer, andar por trilhas escuras
sentir medo, a típica ausência de ar, talvez até patética
risadas rodopiam, é a nossa vida, meu bem
é a nossa vida passando
experimentações, o doce na boca
as cores e texturas
a malemolência que percorre sem pressa o corpo
a risada, saliva que sinto;
é tanto que existe em mim
e nos outros
mutantes, caetano, baianos, melodias novas
intersecções e vazios
queimamos
ficamos até mesmo todos juntos reunidos
numa pessoa só
viva Arnaldo
andar a pé, rir do cachorro dentro da bolsa
chorar pelo sorveteiro bêbado que foi roubado
é carnaval, meu amor
e eu me afasto dos gritos
corro como um pequeno animal que foge dos fogos de artifício
às vezes caio, meus joelhos sempre aguentam
gosto do mar, do barulho da água
gosto dos que estão comigo e de suas pequenas ações cotidianas
roupas amassadas, perfume, palavras típicas, gosto de enxergar o rosto mesmo longe
das delícias e dores de cada um
do corpo que cada um sustenta
da alma e de seus gritos e sussurros
é carnaval
garrafas pela casa, a fumaça invade qualquer espaço
mescla com os pensamentos
deito na cama e te olho
depois durmo sem perceber

quarta-feira de cinzas
o esmalte já saiu das unhas
o gosto dos dias ainda está na boca
é, o carnaval acabou
talvez agora o ano comece.


domingo, 5 de fevereiro de 2012

pôr do Sol paulistano

Azul amarelo e cinza, mesclados, dançam em meio a gritos&buzinas um bolero qualquer! sussurram segredos sobre os mortais. Ninguém escuta. Ninguém se escuta. muito menos se entende. tropeçam nas palavras. engasgam com os acentos. gritam o silêncio.
Prédios, céu, fumaça, sol, aviões , acidentes, fumaça, hipocondríacos, cigarro....
Degustou o instante em que o sol rodopiou com as nuvens, flertou com os prédios e se escondeu atrás das montanhas. Queria descansar, mas era impossível. Do outro lado do mundo já era clamado.
A nostalgia invadia o corpo daqueles que ainda olhavam para o céu.
Prédios, crianças choravam desesperadas namorados brigavam - o todo acontecia repetitivamente - o todo - as mesmas ações e falas - ditas como em um ciclo vicioso, dado viciado. Mesma sílabas. Espaço físico que grita, apartamentos cheios de gente, espaços ausentes, poucas pessoas em tanto espaço. A outra foi despejada, o outro tomou tiro da polícia. Mais uma vez, e tudo acontece ao mesmo tempo
Prédios de fumaça, corpo de poeira, pequenas ações metódicas. Logo vem o carnaval.
Suspirou, o sol realmente se foi, até os resquícios sumiram, ela se ajeita na cadeira, observa o céu que agora mescla o preto com o azul, e enxerga qualquer beleza sem nome e de concreto.
A cidade não pára.

quarta-feira, 1 de fevereiro de 2012

então grita

Ler ao som de Paranoid Android - Radiohead


Será que vai ser a vida inteira assim? Essa porra desse cursor piscando em uma página em branco. Vida inteira, como se fosse longa. Ele saiu do trabalho no mesmo horário, carregava sua bolsa de pano, em seu corpo as inquietações gritavam, no elevador se lembrou das conversas insuportáveis, desfez o nó na gravata para tentar respirar um pouco melhor, fechou um pouco os olhos e finalmente saiu daquele prédio de concreto. Assim que seus pés encontraram as ruas da Avenida Paulista, o moço acendeu um cigarro, ah...o prazer. Ela vinha na direção oposta, observou o segundo em que ele busco no bolso o maço de cigarro, depois o isqueiro e por último o gozo. Ficou extasiada, queria aquela sensação, a chuva caia aos poucos, os cabelos estavam molhados. Continuou seu caminho, não fumava havia dois anos, parou na próxima banca – oi, vende cigarro solto? - sim, você tem trocado? – sim. quero um cigarro e um halls preto. – só um? – é. só um. você tem isqueiro? – aqui. A moça demorou um pouco, mas conseguiu acender. Deliciou-se com aquele cigarro, aquele único cigarro. Andou até a estação mais próxima, ficou parada em frente, observando a luz que se exibia sorrindo e deliciosa. Próximo da moça, outro fumava. Ana enxergava a aula de dança que ocorria no prédio da frente, sempre reparava naqueles passos. São Paulo é um cinzeiro. Pichação que Ana amava. Amava tanto. Queria o mundo e a brisa. A brisa queria o mundo. Prédios, quanto prédios, era São Paulo, nada mais do que a São Paulo, nada mais que a porra de um signo, nada mais. Pensou em prolongar seu caminho a pé, mas a chuva e o sedentarismo impediram. Eu só consigo pensar em Ana. Outra Ana deitada na cama, rindo sem parar. Outra Ana sentada no chão lendo Pessoa. – sou viciada em halls preto. – você usava óculos com aro azul. – aos quinze sonhava acordada. – aos vinte não dorme mais. – afinal, o que te grita? – é tanto amor e tanto ódio. Hoje pensei em meus cadernos, meus cadernos vermelhos. – Inventei a Ana para quebrar com o que de mais doce havia em mim. – Fracasso. – É possível gritar de várias maneiras. Não respiro. – Suas coxas são deliciosas. – Vamos dormir. São apenas letras, acho que decorei o teclado, não preciso olhar as teclas, olho apenas para a página. Para o cursor que pisca. O dia foi bom, sem tentativas de suicídios. Sem tentativas indiscretas. Todos tentam suicídios. Alguns enxergam, outros disfarçam. O dia foi bom, ela leu sem bocejar. Havia audácia.Tomou enfim, sua dose de vida. É tanto amor. É tanto ódio por tanto amor. – Às vezes acho que nunca vamos dar certo. Também...o que é dar certo, afinal. – Tentar..alguém ter que querer tentar. – Tentar.. – Não é o mesmo que reformar, Ana. Pára! – Talvez.. – Eu acho que nunca vamos dar certo, não importa o que isso quer dizer, acho que nós nunca vamos estar. Ele está com ela, ele me disse uma noite que gosta dela, uma noite desses bem cinzentas, como aquela..em que o garoto acendeu o cigarro. – Ele gosta dela? – Já disse, por isso eu choro, porque nunca mais daremos certo. – Trágico. – Rum? – Três doses. – Preciso dormir. – Então vamos, porque o meu tempo é escasso. – Você que pensa, mania idiota de querer morrer cedo. – Cadê a raiva? – Cuidadosamente espalhada em cada sílaba. Deguste, há muitos jeitos de gritar...garoto.


então grita


ausência de beijos

da Ana T.

e de tantos