sábado, 23 de fevereiro de 2013

todas as cartas de amor são ridículas


sabe, ouvi dizer que ela vai ter um filho.
você quer um cigarro?
parei de fumar há uns cinco anos, desde quando paramos de nos falar.
que curioso. bem na minha ausência, você larga um vício.
moça, escute bem, eu não falava com ele há tempos. eu fiz tanto errado. doeu muito. depois de um mês sem trocar qualquer palavra, escrevi um carta, não coloquei nem o nome, só o apartamento. o conteúdo da carta era tão leve. talvez tenha sido isso que o enfureceu. não dizia nada das brigas, apenas do cotidiano.não sabia se ele havia recebido. uma madrugada, outro erro, uma ligação.
a resposta foi péssima. ele sempre me diz que eu faço ele sofrer com meu aparecimento.
ele leu a carta
e me escreveu
nossa
tão amargo. me senti tão mal. tão mal. ele ilustrou seu sofrimento me contando dos novos vícios. vícios esses que eu apresentei, claro. ele reeiterou como a minha presença o fazia mal..
eu fiquei puto da vida
que coisa mais pesada.
e ainda no final, nas duas últimas linhas, ele dizia que sentia um enorme carinho por mim.
sente é o caralho.
por que as pessoas insistem em admitir que o afeto morre, ou até se suicida? não me venha dizer que sou sua lembrança mais bonita, pois não sou, e tenho nojo de ser. de nos sobrou o pó. não me venha com teus livros de auto-ajuda. quero que se lixe tua filosofia natural, eu sou louco por essa cidade cheia de concreto, e aprecio um bom filme e um bom vinho. 
e eu jamais, meu caro, me utilizo de você como desculpa para justificar meus novos vícios. 
que escrita amarga você tem. tenebrosa. e sabe, ela é ruim e feia. truncada. sem gosto e sem saliva.
ele sempre foi tão fechado e rancoroso. e eu errei tanto, moça. tanto. senti todos os erros estourarem meus tímpanos durante tantas noites. agora durmo um pouco melhor.
mas ainda estou tão incomodado, é uma sensação estranha, algo quebrou, morreu na minha vida. algo deu errado. totalmente errado. hoje não consigo pensar em nada sobre nós que me agrade. talvez eu não queria achar, talvez não exista. essa mania chata de querer  aproveitar qualquer experiência. essa doçura enjoativa com gosto de remédio que envolve cada palavra do teu texto. cada ponto e vírgula. e você ainda me pede pra que eu não direcione raiva pra tua nova garota. pois é, agora é garota. com o a no final. você me alerta, me aponta, me indica. você e suas fórmulas entediantes.  
sinto qualquer irritação. não deu certo. nada. nenhum segundo. não vire a página, não supere. detesto a escolha aleatória das tuas palavras. as nossas discussões eram tão inúteis. me afeta. entende? essa interação que diante dos meus olhos não faz sentido. isso dói. essa coisa de não reconhecer uma atitude sua do passado, que é tão novo. Me enjôo e vomito.  
Sinto um gosto de café amargo..ah, os acontecimentos históricos....
é isso moça, obrigada pela prosa, pode deixar que pago o café.
até breve
espero te trazer outros papos, hoje estou tão seco. quase não salivo.
mas passa.
vou comer um damasco.
até

sábado, 2 de fevereiro de 2013

quinta sem cigarro

Ana não conseguia entender, sentia a dor aguda – ou era aguada? – constante, desde seus vinte e um, às vezes surgiam algumas pontadas, como se facas bem afiadas a invadissem. Porém havia um mistério, Ana não sabia de onde vinha a dor. Apenas doía e doía. Ana chorava por horas, seu sono era quase ausente, e quando finalmente dormia, adentrava em sonhos perturbados. Ana tentava de tudo, coroas de espinhos, dança cigana, cristais nas veias, nas vértebras, ciranda ao luar, Ana insistia, dormia em pé, alongava seu corpo, fazia até voto de silêncio, mas nada adiantava. A dor persistia, e Ana já estava ficando cansada. Mudou seu caminho, alterou o colchão, fez misturas ousadas, e mais uma vez fracassou. Deixou de comer, esqueceu de voar. Ana já não se importava se o dia era Sol ou cinza. Ana não declamava mais poemas nas estações de metrô, Ana já na lia nem mesmo para ela. Ana já não tomava o trem, Ana já não inventa histórias. A dor era contínua, insuportável. Ana chorava, mas as lágrimas pioravam a dor. Como se fosse possível. Ana apalpava o corpo , quem sabe encontrava onde doía. Apesar de contínua, o nível da dor variava, em certas estações, Ana achava que iria morrer, talvez este fosse seu desejo secreto, a dor aumentava e aumentava e Ana quase não podia respirar. Outros dias, era quase como se acabasse. Entretanto, Ana não sabia o que doía mais, talvez ela estivesse acostumada com a dor por inteira a dilacerando, sabe-se lá onde. Ana vomitava, palavras e um líquido quente, cheio de emaranhados crus e desconexos. Ana procurou ajuda, todos passavam a mão em sua cabeça e diziam baixinho – Ana, Ana, vai passar. Logo passa. Mas não passava, ela deixou de falar. Às vezes alguns presenciavam uma crise, não sabiam bem o que fazer, nem Ana sabia. Estava tudo quieto, Ana deitada na rede, um céu azul, conversas leves, e de repente, um enjôo, vindo não sei de onde, e de repente uma tontura, fraqueza, e era a dor expandido seus níveis, as facas aos poucos a dilaceravam. – Se pelo menos eu soubesse onde dói, poderia me perguntar o motivo. Gritava Ana. Até que certo mês, se não me engano, Maio, Ana acordou de um pesadelo, levantou para lavar seu rosto pálido, e quando se deparou consigo, a dor havia sumido. Era como se parte de seu corpo tivesse sido arrancada. Não haviam mais facas, não havia mais o antigo mistério. Ana andou pelo piso frio, a luz de Maio era estonteante, Ana rodopiou, andou na ponta dos pés, Ana desceu as escada com pressa, Ana andou pelo parque, Ana tagarelou, fez amizades novas no metrô, encontrou velhos amigos, os abraçou como há tanto tempo não abraçava, Ana estava em si, sem faca sem pulsos machucados, Ana tomou sorvete de flocos, Ana se cansou, Ana quis dormir, mas tinha medo, medo daquela dor voltar. Ana queria não pensar, mas era impossível – Uma dor que vai de mim pra onde? Em que parte de mim ela estava? Pra onde ela foi? Ana dormiu e sonhou. Sonhou com cristais e vagalumes. Ana despertou cedo, não sentia dor, sentia-se tão bem. Ana saiu, ouviu o som da cidade, sua cabeça doeu. Ana correu, senti dor nas pernas, Ana resolveu sentar, suas costas doíam, Ana não entendia, a dor que era inteira e esguia havia sumido, porém, dores pequenas eclodiram. Ou será que Ana nunca havia as percebido? Tudo doía, seu corpo era frágil, Ana deitou sobre um jardim, o sol ardia sua pele, estava incomodada, será que as facas agudas e aguada haviam deslocado a atenção de Ana? Será que a dor tampara seus ouvidos? Será que Ana usava daquela dor para fugir das outras? Para fugir daquela dimensão que cheirava a tédio? E tudo se pôs a rodar, a rodopiar, como as rendas azuis do vestido que Ana usara naquele dia. Ana caiu, seus joelhos rasgados sangravam, Ana não entendia o sangue, tampouco aquela dor tão específica. Ana fechou seus olhos, pediu quase em um sussurro para que a sua companhia voltasse, e a acompanhante, vaidosa como era, adorou escutar daqueles lábios finos e vermelhos o pedido, quase uma súplica, aquela moça de mãos e olhos gelados atendeu o desejo de Ana, afinal, não poderia deixá-la sozinha nunca. A mulher de pele em vidro novamente voltara para Ana, a mulher do rosto em cicatrizes andava de mãos entrelaçadas com a garota, respirava teu ar, percorria suas veias, a sufocava aos poucos, Ana quase morria e a mulher pensava - assim é melhor, desta forma Ana não sentirá dor. Exclamava a Solidão. Ana T