sábado, 2 de fevereiro de 2013

quinta sem cigarro

Ana não conseguia entender, sentia a dor aguda – ou era aguada? – constante, desde seus vinte e um, às vezes surgiam algumas pontadas, como se facas bem afiadas a invadissem. Porém havia um mistério, Ana não sabia de onde vinha a dor. Apenas doía e doía. Ana chorava por horas, seu sono era quase ausente, e quando finalmente dormia, adentrava em sonhos perturbados. Ana tentava de tudo, coroas de espinhos, dança cigana, cristais nas veias, nas vértebras, ciranda ao luar, Ana insistia, dormia em pé, alongava seu corpo, fazia até voto de silêncio, mas nada adiantava. A dor persistia, e Ana já estava ficando cansada. Mudou seu caminho, alterou o colchão, fez misturas ousadas, e mais uma vez fracassou. Deixou de comer, esqueceu de voar. Ana já não se importava se o dia era Sol ou cinza. Ana não declamava mais poemas nas estações de metrô, Ana já na lia nem mesmo para ela. Ana já não tomava o trem, Ana já não inventa histórias. A dor era contínua, insuportável. Ana chorava, mas as lágrimas pioravam a dor. Como se fosse possível. Ana apalpava o corpo , quem sabe encontrava onde doía. Apesar de contínua, o nível da dor variava, em certas estações, Ana achava que iria morrer, talvez este fosse seu desejo secreto, a dor aumentava e aumentava e Ana quase não podia respirar. Outros dias, era quase como se acabasse. Entretanto, Ana não sabia o que doía mais, talvez ela estivesse acostumada com a dor por inteira a dilacerando, sabe-se lá onde. Ana vomitava, palavras e um líquido quente, cheio de emaranhados crus e desconexos. Ana procurou ajuda, todos passavam a mão em sua cabeça e diziam baixinho – Ana, Ana, vai passar. Logo passa. Mas não passava, ela deixou de falar. Às vezes alguns presenciavam uma crise, não sabiam bem o que fazer, nem Ana sabia. Estava tudo quieto, Ana deitada na rede, um céu azul, conversas leves, e de repente, um enjôo, vindo não sei de onde, e de repente uma tontura, fraqueza, e era a dor expandido seus níveis, as facas aos poucos a dilaceravam. – Se pelo menos eu soubesse onde dói, poderia me perguntar o motivo. Gritava Ana. Até que certo mês, se não me engano, Maio, Ana acordou de um pesadelo, levantou para lavar seu rosto pálido, e quando se deparou consigo, a dor havia sumido. Era como se parte de seu corpo tivesse sido arrancada. Não haviam mais facas, não havia mais o antigo mistério. Ana andou pelo piso frio, a luz de Maio era estonteante, Ana rodopiou, andou na ponta dos pés, Ana desceu as escada com pressa, Ana andou pelo parque, Ana tagarelou, fez amizades novas no metrô, encontrou velhos amigos, os abraçou como há tanto tempo não abraçava, Ana estava em si, sem faca sem pulsos machucados, Ana tomou sorvete de flocos, Ana se cansou, Ana quis dormir, mas tinha medo, medo daquela dor voltar. Ana queria não pensar, mas era impossível – Uma dor que vai de mim pra onde? Em que parte de mim ela estava? Pra onde ela foi? Ana dormiu e sonhou. Sonhou com cristais e vagalumes. Ana despertou cedo, não sentia dor, sentia-se tão bem. Ana saiu, ouviu o som da cidade, sua cabeça doeu. Ana correu, senti dor nas pernas, Ana resolveu sentar, suas costas doíam, Ana não entendia, a dor que era inteira e esguia havia sumido, porém, dores pequenas eclodiram. Ou será que Ana nunca havia as percebido? Tudo doía, seu corpo era frágil, Ana deitou sobre um jardim, o sol ardia sua pele, estava incomodada, será que as facas agudas e aguada haviam deslocado a atenção de Ana? Será que a dor tampara seus ouvidos? Será que Ana usava daquela dor para fugir das outras? Para fugir daquela dimensão que cheirava a tédio? E tudo se pôs a rodar, a rodopiar, como as rendas azuis do vestido que Ana usara naquele dia. Ana caiu, seus joelhos rasgados sangravam, Ana não entendia o sangue, tampouco aquela dor tão específica. Ana fechou seus olhos, pediu quase em um sussurro para que a sua companhia voltasse, e a acompanhante, vaidosa como era, adorou escutar daqueles lábios finos e vermelhos o pedido, quase uma súplica, aquela moça de mãos e olhos gelados atendeu o desejo de Ana, afinal, não poderia deixá-la sozinha nunca. A mulher de pele em vidro novamente voltara para Ana, a mulher do rosto em cicatrizes andava de mãos entrelaçadas com a garota, respirava teu ar, percorria suas veias, a sufocava aos poucos, Ana quase morria e a mulher pensava - assim é melhor, desta forma Ana não sentirá dor. Exclamava a Solidão. Ana T

Um comentário:

Nádia Regina disse...

fui com ela, inteira. Lindo, lindo, lindo