quarta-feira, 31 de agosto de 2011

estilete de vento

apaga a luz
bate a porta
acende um cigarro
senta no chão
abre o livro
a luz é pouca
os olhos se esforçam
cansados
enxergam a primeira linha
depois se fecham
estão pesados
insistem
doem ardem
a pele reclama do frio
a alma também
fecha o livro
pega no bolso um bilhete
dá um trago no cigarro
quase apagado
lê o bilhete
pela centésima vez
sente o gosto de lágrima
levanta
acende a luz
abre a porta
espera!
não tem como acender a luz sem antes abrir a porta
será mesmo?
abre a porta
acende a luz
mas não se encontra
senta no chão
livros roupas álcool
cheiros
sexo
ternura
tontura
mas não se encontra
deita na cama
sem lençol
está calor
sente um frio
absurdo
está quente
desconforto
no próprio corpo
respira
suspira
abre fecha os olhos
insustentável
tosse
acende outro cigarro
birra
pura birra
tosse mais
mas não se encontra
nem na cama
nem no ar
quer chorar
mas não consegue
não sente
pensa na dor alheia
pensa pensa
mas não sente
talvez dor física
pensa em se cortar
mas faz tempo
tanto tempo
apanha o estilete
faz um corte leve
escorre um fio de sangue
mas ainda assim
não se encontra
tontura
tortura
segue
sangue
sempre se achou tonto
caos
buzinas
São Paulo
tudo grita
levanta
caminha em direção a janela
enxerga a cidade
com suas luzes e dores e brigas e desencontros e amores e ternura
enxerga entre as grades
de plástico ou ferro
visíveis ou invisíveis
entra no banheiro pequeno
já está sem roupa
abre o chuveiro
água gelada
treme muito
enfim sente algo
respira forte
água caindo na pele branca
nos cabelos em cacho
não tem toalha
caminha molhado
se joga na cama
treme muito
se cobre
ainda não se encontra
apesar de sentir
tontura
tontura
tudo gira
pensamentos falares buzinas poluição cigarro nicotina língua sexo pele textura gozo gosto
vento
ventania
tempestade
não controla seus pensamentos
era isso que queria
quase uma inconsciência
comprimidos coloridos
não lembra
não recorda
os olhos não sustentam o peso
fecham
enfim dorme
mas ainda não se encontra
porque sonha


segunda-feira, 8 de agosto de 2011

vick vaporup

Cai na escada rolante e ganhei balas Valda no metrô, sinto que minha tolerância com certas pessoas está cada vez menor, sinto uma preguiça alheia, essa bem comum aos arrogantes. Detesto algumas socializações, as pessoas declamando seus saldos bancários e viagens internacionais, me auto-afirmo o tempo todo, às vezes me sinto descrente de tudo, de todas as relações humanas, outras vezes, acredito no amor livre, jamais como uma utopia, mas até chego a acreditar que respiro e vivo essa liberdade, experimentações deliciosamente desnecessárias e libertárias.
Cheguei atrasada para o trabalho, como de praxe. Pintei minhas unhas com corretivo e passei caneta por cima, tentei escrever e não consegui, no caderno e não nas unhas, abri um livro e fracassei na primeira linha, sinto muito sono e dor de cabeça, meu remédio acabou ontem, minha pinga também, faz muito frio e estou sem blusa.
Nunca gostei de crianças, mas ultimamente tenho reparado tanto nos olhos redondos e expressivos de algumas delas. Esses dias eu estava no metrô, todos falavam sem parar, não escutavam uns aos outros, uma linguagem empresarial detestável e cheia de adjetivos que pareciam sair de livros de auto-ajuda, já estava tão entediada que o ar foi me faltando, procurava qualquer coisa com os olhos, até que encarei uma pequena, olhos inquietos, sede plena, sem dúvida, ela era a mais lúcida daquele lugar.
Mexo no celular o tempo todo, nada acontece, talvez com as unhas pintadas de corretivo e caneta, pare de roê-las, as minhas lentes estão péssimas, a visão está muito embaçada, sinto muito sono. Nenhuma caneta pega, a internet está extremamente lenta e não me lembro do teu telefone.
Faço o mesmo caminho todas as manhãs, passo pela mesma loja de eletrônicos, sinto que esse lugar é a metonímia perfeita do mundo empresarial na minha cabeça, talvez até da vida de muitas pessoas. Objetos, produtos, mercadorias, felicidade, alegria, comunicação instantânea.
Penso no gosto de Agosto, lembro-me da mensagem que um dia você me mandou, “Agosto, que gosto tem?” e eu escrevi naquele caderno azul: “Agosto tem gosto de fim, fim de café, último cigarro último trago, gosto em vão, gosto frio, fumaça e cinza de cigarro. Agosto deixa fraca deixa fraco o corpo propício a vícios, Agosto tem gosto de ausência.” Acho que nunca te mandei, isso já faz tanto tempo, nem sei o motivo de ter me lembrado. Lembra que levei meu vick vaporup pra você? Gostava daquele cheiro, gostava daquele cheiro na tua pele. E das folhas de hortelã? O chá estava muito bom, pena que apanhei poucas delas, quem sabe não te encontro e te entrego mais...quem sabe...será que você ainda freqüenta o Belas Artes? Ouvi dizer que fechou...coisa triste, não te imagino em outro cinema, não nos imagino em outro cinema. Será que você ainda desce e sobe a Augusta e bebe na calçada? Sabe...às vezes eu ando com hortelã na mochila..quem sabe...quem sabe...
Não me desligo não me desconecto, sinto que estou sempre presa, detesto admitir que não consigo fazer certas coisas que só dependem do meu auto-controle, tomei um banho extremamente quente, minha pele ficou avermelhada, preciso arrumar meus cadernos, preciso me encontrar nesse caos, sempre perco tanto tempo me organizando, testando quais canetas funcionam.
Ontem senti tanta vontade de te ligar, assim como quem não quer nada, perguntar da vida, do tédio, se você anda bebendo demais, se continua tendo pesadelos horríveis, se a tosse passou....se está indo trabalhar...não, não quero usar desses afazeres pra te controlar, eu só queria saber mesmo...não gosto de te imaginar com a saúde fraca, sei que você detesta que eu tenha essa imagem de você. Lembro quando dormimos juntos e eu tive febre, e você cuidou do meu sono e da minha alma, e lembro-me bem daquela vez que fomos acampar com uns doidos que conhecemos no boteco, lembra disso? Pensei que fosse acordar sem rim, mas não, foi delicioso, vi minha primeira estrela cadente ali, eram duas, sim, nos havíamos tomados ácido, mas era real, tenho certeza disso, assim como você não soltou minha mão durante a noite e não teve nenhum pesadelo.
Recebo mensagens suas e não tenho créditos pra responder, ontem quis falar sobre as relações baseadas em consumo, como resistir? Vamos fazer café e carregá-lo conosco para não termos que gastar absolutamente nada? Nos sempre falamos disso, pirataria, que seja pirata. Seja um pirata. Seja marginal.
Estava pegando água na geladeira e ouvi aquele barulho de chave e porta abrindo, por um segundo, pensei que fosse você, talvez eu tenha pensando conscientemente, sabe? Quero acreditar que esse barulho seja você. Mas não era ninguém e eu sabia disso, ora.
Lembrei dos teus olhos fechados, gosto muito da tua expressão, é tão serena e prazerosa, talvez seja plena. Gosto muito dos teus olhos, teu beijo me refresca, arde esquenta.
Quero um suco de abacaxi com hortelã, quero deitar na tua cama e ouvir teus discos antigos, quero a leveza do meu corpo com o teu. Eu não quero me negar, é isso, são todas essas sensações, misturadas mescladas, cheias de intersecções e vazios.
Um beijo.
Aveia e mel. E limão.
Ana T.

PS: Vale lembrar que nem todas as frases são minhas, tenho sede das conversas cotidianas. O que escrevo nunca é só meu, ou até pode ser, mas Fernando Pessoa já dizia “Eu sou muitos...”.

Câmbio/desligo.

domingo, 7 de agosto de 2011

suicídio

"um ano tempo não diz nada o que diz é a pele"

Agosto começou cinza e frio. Comprei o último maço de cigarros e tomei um café.

Não dormi quase nada, falei teu nome durante a madrugada, não te achava na cama, mas eu nunca te acho. Não sei por que ainda insisto em procurar.

Tive sonhos conturbados, a tosse não me deixa em paz. Faz um ano que morri de intensidade, bebi incessantemente do teu corpo, arranhei tuas costas até sangrar e me diz o que ficou? Tudo.

Parei de pensar nisso, mas era a mesma cama, o lençol no chão, a lua, janela aberta, lembra da pneumonia que pegamos depois de tudo isso?

Porra, como doeu te ver indo embora, porra...doeu demais!

Lembro de você sentado na minha cama, comigo no teu colo, tentava não chorar, você me beijou o rosto, me abraçou o corpo e a alma e disse que era pra sempre. E é! Ou pelo menos foi. Sentados no chão fumando um cigarro, qualquer assunto, qualquer bobagem.

Porra, eu não me lembro direito, isso me mata, memórias criadas me assombram.

Lembro do teu gosto misturado com o de cigarro, falávamos da fumaça, falávamos de qualquer coisa, literatura russa, química orgânica, jogos de carta, dança contemporânea, bossa nova, vícios, sexo e fizemos sexo a noite inteira, e eu não me lembro, eu não me lembro como eu gostaria de me lembrar, os nervos já estão demais de gastos.

Talvez eu só não consiga mais sentir a flor da pele. Talvez, eu disse talvez....

Porra, foi tão forte, tão cheio de reciprocidade, depois acendemos outro cigarro, o quarto estava uma bagunça, meu ar faltava, encontrava-o na tua boca, não parávamos, era o terceiro dia, havíamos perdido a noção do tempo-espaço, o corpo fraco, sem qualquer tipo de alimento, sem água nem sol. Era só teu corpo no meu, um ritmo eufórico alucinante, não conseguia sair dali, concentração plena no caos, no teu corpo esguio, sem possibilidade alguma de tédio, nos arranhávamos como se aquelas marcas fossem deixar à flor da pele todas aquelas sensações eufóricas e prazerosas.

Pitadas de masoquismo e alguma dose de sadismo, SIM, com a gente é pele, tesão, era forte demais porra. Era sintonia plena, alma e corpo.

Ai cara, eu te mandei ir embora e você foi, depois de tanto tempo, você foi embora, até hoje eu não entendo o motivo de ter saído de casa, me olhei no espelho pálida, o corpo fraco, tontura, sexo, eu queria mais... não tínhamos pressa, nunca tivemos, depois que li tua mão eu já sabia, mentira.

E ai a gente saiu na rua, a luz na nossa cara pálida, poluição entrando nos pulmões, os cachos desarrumados, os meus enroscados nos teus, e eu apertava tua mão tão forte, quase a arranhava com minhas unhas roídas. E você me segurava com força, sentia teu corpo tremendo, olhares de censura por toda parte. Eu deveria ter gritado – VOLTA! VAMOS VOLTAR, PORRA! Mas já estava tudo tão sem nexo, o quarto já deveria estar arrumado, sem o nosso cheiro, o lençol esticado. Continuávamos tropeçando no corpo um do outro, aquela claridade insuportável, vozes&buzinas&gente-gritando- qualquer-coisa-sem-relevância.

O transporte público, nós dois sentados na estação de metrô, eu não conseguia falar absolutamente nada, chegamos, aquele lugar místico, encontros e desencontros escancarados, energia em movimento, ai você comprou sua passagem, e eu calada dentro daquele silêncio, tossíamos sem parar, escrevi teu nome, tua mão tremia tanto.

Eu te abracei tão forte com toda a energia que faltava no meu corpo e você me abraçou tão pleno, e eu transbordei, a palavra tropeçou da minha boca, puxando a outra, e eu disse eu amo você, eu disse que te amava, e meus olhos gritaram, meu corpo não agüentava mais, e você gritou que me amava eu amo você.

E eu sabia que era verdade, apesar de nem saber mais o que significa essa palavra. Eu sentia que te amava de amor na pele e sentia que você me amava no corpo inteiro na alma inteira e você soltou meu corpo e eu o teu, e me veio um frio absurdo e você foi embora e eu fiquei parada, tudo girava, como as coisas podiam continuar acontecendo? Porra, as pessoas falando, o transito caótico, a moça falando que era proibido fumar naquele lugar, e eu não acreditava, fiquei estática por alguns eternos segundos, não conseguia exercer qualquer tipo de movimentação, até que senti teu cheiro no meu corpo, teu toque na minha pele, procurei você incessantemente em todos os lugares, e eu te via, mas era piração, delírio, e eu pirei e eu não dormia e me drogava sem parar, teu cheiro foi sumindo de mim, eu não agüentava mais, e eu procurava teus arranhões, qualquer fio de cabelo teu, qualquer coisa porra, qualquer coisa e eu não achava mais, o que eu achava era mentira, lembrança, ardia, eu arranhava o lençol, mas não encontrava tua textura nem respiração, era lembrança por toda parte e o meu ar foi acabando, fui sufocando, pirando na tua ausência, ai eu surtei inteira e plena, menti, era insustentável, inventei uma lucidez e me suicidei pela primeira vez.


Ana T.


talvez esse texto seja uma resposta para: http://livredosconceitos.blogspot.com/2010/08/pontuacao-falha.html

talvez....

segunda-feira, 1 de agosto de 2011

perder meu corpo na tua boca [de propósito] com sem propósito

achar no teu corpo um gosto que te cala [te derrete, desmancha]