Cai na escada rolante e ganhei balas Valda no metrô, sinto que minha tolerância com certas pessoas está cada vez menor, sinto uma preguiça alheia, essa bem comum aos arrogantes. Detesto algumas socializações, as pessoas declamando seus saldos bancários e viagens internacionais, me auto-afirmo o tempo todo, às vezes me sinto descrente de tudo, de todas as relações humanas, outras vezes, acredito no amor livre, jamais como uma utopia, mas até chego a acreditar que respiro e vivo essa liberdade, experimentações deliciosamente desnecessárias e libertárias.
Cheguei atrasada para o trabalho, como de praxe. Pintei minhas unhas com corretivo e passei caneta por cima, tentei escrever e não consegui, no caderno e não nas unhas, abri um livro e fracassei na primeira linha, sinto muito sono e dor de cabeça, meu remédio acabou ontem, minha pinga também, faz muito frio e estou sem blusa.
Nunca gostei de crianças, mas ultimamente tenho reparado tanto nos olhos redondos e expressivos de algumas delas. Esses dias eu estava no metrô, todos falavam sem parar, não escutavam uns aos outros, uma linguagem empresarial detestável e cheia de adjetivos que pareciam sair de livros de auto-ajuda, já estava tão entediada que o ar foi me faltando, procurava qualquer coisa com os olhos, até que encarei uma pequena, olhos inquietos, sede plena, sem dúvida, ela era a mais lúcida daquele lugar.
Mexo no celular o tempo todo, nada acontece, talvez com as unhas pintadas de corretivo e caneta, pare de roê-las, as minhas lentes estão péssimas, a visão está muito embaçada, sinto muito sono. Nenhuma caneta pega, a internet está extremamente lenta e não me lembro do teu telefone.
Faço o mesmo caminho todas as manhãs, passo pela mesma loja de eletrônicos, sinto que esse lugar é a metonímia perfeita do mundo empresarial na minha cabeça, talvez até da vida de muitas pessoas. Objetos, produtos, mercadorias, felicidade, alegria, comunicação instantânea.
Penso no gosto de Agosto, lembro-me da mensagem que um dia você me mandou, “Agosto, que gosto tem?” e eu escrevi naquele caderno azul: “Agosto tem gosto de fim, fim de café, último cigarro último trago, gosto em vão, gosto frio, fumaça e cinza de cigarro. Agosto deixa fraca deixa fraco o corpo propício a vícios, Agosto tem gosto de ausência.” Acho que nunca te mandei, isso já faz tanto tempo, nem sei o motivo de ter me lembrado. Lembra que levei meu vick vaporup pra você? Gostava daquele cheiro, gostava daquele cheiro na tua pele. E das folhas de hortelã? O chá estava muito bom, pena que apanhei poucas delas, quem sabe não te encontro e te entrego mais...quem sabe...será que você ainda freqüenta o Belas Artes? Ouvi dizer que fechou...coisa triste, não te imagino em outro cinema, não nos imagino em outro cinema. Será que você ainda desce e sobe a Augusta e bebe na calçada? Sabe...às vezes eu ando com hortelã na mochila..quem sabe...quem sabe...
Não me desligo não me desconecto, sinto que estou sempre presa, detesto admitir que não consigo fazer certas coisas que só dependem do meu auto-controle, tomei um banho extremamente quente, minha pele ficou avermelhada, preciso arrumar meus cadernos, preciso me encontrar nesse caos, sempre perco tanto tempo me organizando, testando quais canetas funcionam.
Ontem senti tanta vontade de te ligar, assim como quem não quer nada, perguntar da vida, do tédio, se você anda bebendo demais, se continua tendo pesadelos horríveis, se a tosse passou....se está indo trabalhar...não, não quero usar desses afazeres pra te controlar, eu só queria saber mesmo...não gosto de te imaginar com a saúde fraca, sei que você detesta que eu tenha essa imagem de você. Lembro quando dormimos juntos e eu tive febre, e você cuidou do meu sono e da minha alma, e lembro-me bem daquela vez que fomos acampar com uns doidos que conhecemos no boteco, lembra disso? Pensei que fosse acordar sem rim, mas não, foi delicioso, vi minha primeira estrela cadente ali, eram duas, sim, nos havíamos tomados ácido, mas era real, tenho certeza disso, assim como você não soltou minha mão durante a noite e não teve nenhum pesadelo.
Recebo mensagens suas e não tenho créditos pra responder, ontem quis falar sobre as relações baseadas em consumo, como resistir? Vamos fazer café e carregá-lo conosco para não termos que gastar absolutamente nada? Nos sempre falamos disso, pirataria, que seja pirata. Seja um pirata. Seja marginal.
Estava pegando água na geladeira e ouvi aquele barulho de chave e porta abrindo, por um segundo, pensei que fosse você, talvez eu tenha pensando conscientemente, sabe? Quero acreditar que esse barulho seja você. Mas não era ninguém e eu sabia disso, ora.
Lembrei dos teus olhos fechados, gosto muito da tua expressão, é tão serena e prazerosa, talvez seja plena. Gosto muito dos teus olhos, teu beijo me refresca, arde esquenta.
Quero um suco de abacaxi com hortelã, quero deitar na tua cama e ouvir teus discos antigos, quero a leveza do meu corpo com o teu. Eu não quero me negar, é isso, são todas essas sensações, misturadas mescladas, cheias de intersecções e vazios.
Um beijo.
Aveia e mel. E limão.
Ana T.
PS: Vale lembrar que nem todas as frases são minhas, tenho sede das conversas cotidianas. O que escrevo nunca é só meu, ou até pode ser, mas Fernando Pessoa já dizia “Eu sou muitos...”.
Câmbio/desligo.
4 comentários:
Eu nunca sei o que comentar dos seus textos. Suas descrições são bem detalhistas, e eu adoro isso!
PS: também enxergo lucidez nas crianças.... sentimentos puros e inoscentes.
Lindo, como tudo o que vc escreve, gata. Um beijo.
Oi. Eu nao ouco mais essas conversas irritantes no metro; deve ser porque aqui nao tem metro e eu ainda nao sei distinguir sentido quando falam montes de pessoas numa língua estrangeira. Menos mal, me poupo de um desprazer. E espero que quando consiga, a mesma crianca bonita e lúcida do seu metro apareca no meu ônibus, e possa me fazer acreditar. Porque "às vezes quero crer mas nao consigo, é tudo uma total insensatez".
caramba
que saudade de você João
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