quinta-feira, 12 de janeiro de 2012

deixa o quarto azul

Ler ao som de Plástico Lunar - Quarto Azul

Ela não dormia, não dormia, já passava das cinco e quarenta e três e nada, ela não fez absolutamente nada, nada, pequenos movimentos, roer unha compulsivamente até sangrar, fumar trinte e quatro cigarros e tomar alguns comprimidos. Ela esperou o dia inteiro para escrever e nada acontecia, nada, ele leu poemas por três segundos e enjoou, estava no ápice do tédio, queria qualquer coisa sem eixo, que a quebrasse inteira, era isso, ou não. Escutou músicas, desmanchou a luminária que não funcionava e obviamente não consegui consertar, tentou achar um livro e desistiu depois de cinco minutos de procura. Não quis ver filmes, não quis ler Pessoa, ela não consegue dormir, não aguenta mais sonhar com a mesma coisa, não aguenta mais deitar sobre o lençol vermelho e acordar com o corpo doendo, não aguenta mais arrancar pele dos dedos, não tem mais cigarro, ela procura nos bolsos do casaco, nada, ela pensa em ir comprar na padaria mais próxima e desiste, óbvio, tem medo de sair, está morrendo de tédio e desmanchando em si mesmo.
Lembrou do boteco copo sujo e de como havia ar ali, apesar da música ruim, apesar das pessoas falando sem parar e transbordando histórias e energias, havia vida ali, meu bem, e não há vida nesse quarto que você insiste em habitar. Ela lembrou de seu reflexo no espelho e de como estava branca, pensou em tomar mais sol, mas detesta sol, sua pele arde. Lembrou do gosto e da Lua nascendo, a maldita caneta girando nos dedos, ação que escapa aos grandes acontecimentos da história, ela pensava neste instante que certos acontecimentos ficam fora dos livros de ensino médio, será bom? Ações cotidianas e deliciosas ou insuportáveis, será que a nova geração vai estudar o motivo de tanta insônia? O pensamento dela está tortuoso e sem sentido, como se alguma vez..deixe para lá. Depois de girar a caneta o garoto resolveu retirar pedaço por pedaço, desmanchar a caneta, como ela fez com a luminária, porém a caneta ainda funciona, ela engoliu outro halls preto, ele molhou os lábios no copo de cerveja, sempre álcool, sempre, poderia ser uma droga mais pesada, mas não era, não mesmo? Ela não consegue dormir, o cigarro acabou.
Ela arrumou o óculos no rosto e começou a girar ao som da música no tom da música no quarto azul com lençol vermelho sem ninguém, ela tropeçou em si mesma, ela tropeçou no clichê de si e machucou os joelhos e arranhou a mão, os pés doem também, as canelas sempre doeram, sempre, sempre sempre sempre, malditos tênis baixo, ela sente um gosto de cigarro na boca, ela não consegue dormir, ela procura cigarro, as costas doem, péssima postura, sempre sempre, ela não consegue sair de sua casa.
Ela adora acontecimentos que pairam, ela é tão entediada, tentou espreguiçar e lembrou do livro, vai, era apenas um xerox barato, lembrou dos dois deitados no chão, ela tentava ler algum trecho, algo que falasse sobre revoluções, talvez fosse isso, lembrou do cheiro de vodka, e da vontade em que sentiu de entregar aquele monte de folhas para o menino, e foi o que fez, com suas mãos pequenas apanhou o livro e estendeu para ele, que sorria, ela acordou, ela foi embora sem as folhas, chegou em casa e não conseguia dormir, temia por sonhos perturbados, talvez a insônia fosse mais aterrorizante que os pesadelos, nunca vou saber. Ela estava deitada sobre o lençol vermelho, talvez uma dose de sono, até que a respiração foi mais forte, e exclamou quase sussurrando que sua letra estava naquele livro, suas anotações, seus contos e devaneios, pitadas de sangue e de gozo, respirou fundo e não quis se levantar, mas sabia que o sono agora seria um fracasso certo, talvez ele não repare, talvez seja invenção, como tudo que ela inventa, inventa pra fugir do tédio, inventa pra fugir do quarto azul com lençol vermelho, inventa e mescla.
Lembrou que o casaco dele havia ficado com ela, levantou com pressa da cama, o que era raro, seus movimentos raramente cotavam com rapidez, procurou o casaco na mochila, as mãos foram direito para o bolso, e lá estava um maço cheio de cigarro, sentou no chão gelado como em tantas outras vezes, acendeu e se deliciou, pensou no convite, aceitou em silêncio, tragou e pensou em escrever, outro fracasso constante, o tédio iria estourar seus tímpanos, assim pelo menos iria se distrair, pensou Ana. A monotonia estava dilacerando aquela menina com seus cacos de vidro, se pudesse beber alguma gota do líquido que havia na garrafa, quem sabe assim não poderia perder o eixo, embriagar-se e sentir mais uma dose de vida.
Terminou o cigarro, fumou outro, estava amanhecendo, pensou nos diálogos distraídos, nos passos aéreos, pensou e não entendeu nada, muito menos o silêncio e o motivo da luminária não funcionar, pensou em ligar, mas já era tão tarde, ou cedo, e detestava falar por telefone, já não precisava de luz para iluminar o quarto, talvez ela tenha exagerado na prosa, faltado na rima e confundido a poesia, talvez seja a ausência do sexo, pensou rindo, excesso de toques, gostares, muito açúcar, acrescente um pouco de limão, talvez não seja nada, entende? não há nada. Ela não consegue dormir, queria falar menos, queria tanta coisa, não queria absolutamente nada, quem sabe inventar qualquer dose de amor para misturar com rum, quem sabe assim sentiria algum gosto além de fumaça, Ana queria loucura, estava em um ritmo alucinante há alguns dias, e de repente se via presa naquele quarto azul, Ana queria qualquer coisa, só não queria dormir. Por isso apagou seu cigarro pela metade, levantou, deitou em sua cama e dormiu.

beijo sem rum(o)

Um comentário:

du disse...

q gostoso de ler. um pouco agridoce. Acho. bj!