segunda-feira, 9 de janeiro de 2012

pessimismo inalado

Magro e moreno, encostou na parede e acendeu um cigarro, a moça pediu o isqueiro, ele emprestou sem sorrir, destilava indiferença, apesar disto reparou no joelho da garota que estava sangrando. – que que você fez ai? – cai. Disse com uma voz seca. – é bom lavar. – pois é. – caiu como? Ela olhou com desprezo. – não lembro. Ele apagou o cigarro e foi embora, ela ficou olhando os passos tímidos e desleixados, reparou que o machucado estava realmente feio, sentia dor e medo do contato com a água, detestava sangue. Ele olhou pra trás, ela gostou, apagou seu cigarro e entrou no próximo boteco, pediu uma cerveja e foi até ao banheiro lavar sua perna, o sangue escorria, a dor era aguda, passou sabonete de leve, ardeu ainda mais. Ela realmente não se lembrava de como havia caído, não era ironia, não desta vez, estava bêbada de rum, talvez tenha caído em cima dos cacos da garrafa, provável...pensou ela. Saiu do banheiro andando com dificuldade, fazia frio e ela vestia um short curto, sentou na mesa e percebeu que o moço quem emprestou o isqueiro estava ao lado – lavou o machucado? Que porra de importância tem isso pra esse cara.. pensava ela. – Sim, lavei. – Tenho esparadrapos na minha mochila, se você quiser... Ana não sabia se era a ausência de sono por três dias, o excesso de álcool, ou realmente aquela conversa não fazia o menor sentido, ela disse que queria, ele não só apanhou um pedaço de esparadrapo como um algodão bem macio, a perna dela estava apoiada em outra cadeira, ele foi até lá e fez o curativo, ela ficou um pouco sem ação, analisando aquilo tudo, mesclando ao cinema e a prosa, como sempre. – Obrigada. – De nada.

Até poderiam iniciar uma conversa, talvez um flerte, vontades, eram bonitos, interessantes, beberiam algumas cervejas, risadas, quem sabe confissões, promessas, falar de poesia, rima, prosa, arte, sexo, claro, sempre sexo, e o corpo cada vez mais próximo, contato visual aumentando, contato físico aos poucos, faísca, um convite para ir ao apartamento dele ouvir um Mutantes, se beijar com vontade no elevador, arrancar a alça da blusa para beijar o ombro, sexo, lençol amassado, roupas no chão, mais conversas, risadas, ou não, mais sexo, o ritmo, o corpo absorvendo a pele do outro, engolindo a textura e o que tiver mais, acordar sem graça, trocar algumas palavras, talvez anotar o telefone, quem sabe preparar um café, algo do tipo, algo bem assim, bem cotidiano, mas ao mesmo tempo sem eixo, ela poderia anunciar que iria embora, apesar de ficar mais, ler um pouco de Leminski, e claro, como esquecer a metalinguagem de si mesmo, falariam sem parar de como aquele encontro era surreal, entre outros adjetivos que poderiam usar, enfim alguma hora conseguiria ir embora, ele ofereceria uma carona, ela prefere ir a pé, talvez um beijo nos olhos, aquela maldita ternura entre desconhecidos, e logo depois daquela noite, estariam sozinhos novamente, cheios de si mesmo, talvez se procurassem, ou não, acho que não, ele não iria procurá-la, talvez ela sim, não sei, não sei, não foi nada disso que aconteceu, nada disso, são apenas hipóteses banais que ocorrem com uma frequência recorrente. O flerte, o apaixonar, o inventar o outro e a si mesmo para experimentar, o começo, o cheiro, a primeira noite que se compartilha o sono, entre tantas coisas que existem nesse leque enorme. Mas os meus personagens se restringiram a poucas falas e um contato físico excêntrico, pouparam a si mesmos da monotonia do depois, porém não gozaram do que excita, atrai, transtorna, faz perder a hora e duvidar do tempo, não gozaram, sem cheiros alheios no corpo do outro, sem saliva no pescoço, sem marcas na coxa. Ela tomou sua cerveja sozinha, e ele bebeu outra dose de indiferença, já chegou a virar garrafas desse líquido, é vício, ela pagou a conta primeiro, sai sem rumo e ele saiu sem ela. Sem depois, sem forjar qualquer coisa espontânea, sem oscilações, cada um em seu passo, tropeçando nas próprias palavras, ou na dos outros, ou na ausência delas. Ela chegou no apartamento, colocou a mão sobre o curativo, jogou seu corpo no sofá e dormiu, dormiu e sonhou, sonhou com seus tormentos, o corpo ainda estava muito cansado e perturbado, apesar do gosto doce que Pedro não sentiu, nem quis sentir. Pedro foi para casa, pensou na perna da menina, leu seu livro e dormiu cedo. Sem problemas por hoje, sem problemas para eles, sem amores platônicos e espera incessante por ações alheias, sem vida, sem risco, sem faísca. Assim Ana e Pedro dormiram, separados. Salvos do tédio da ação posterior, salvos dos desencontros e desentediamentos. Insuportavelmente salvos e lúcidos, sem perder hora, sem se perder no lençol, sem se perder em si mesmo, Ana e Pedro, lúcidos, dormindo separados, cada um em uma extremidade da cidade de São Paulo.

por hora é isso. por hora é assim e está bom. sem vontades suicidas, sem transporte público, talvez cama e chuva, era isso.

Ana acorda tarde, Pedro trabalha cedo, mas adora dormir, Ana falava muito, Pedro quase nada, Ana e Pedro, Pedro e Ana, sem textura e sem pele. Mecanização dos atos. É isso.


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