você se casou.
mora junto. divide quarto e comida.
mas ainda não penso nisso.
gastei horas te procurando. horas sentada em frente a uma tela branca. meus olhos ardem. meu cigarro, que eu não tenho, já acabou.
fiquei triste.
o dia está estranho. parece deslocado perto dos outros.
sofro um ano atrasada.
te encontrei pela última vez num andar distraído
teu corpo leve a perambular por ai
tomou um caldo de cana
ou foi água de coco?
você me disse que agora usa óculos e ainda costura reticências
e colchetes. te avistei de relance
com o rabo do olho
estava em barra de são francisco
espírito santo
miopia ou será astigmatismo?
talvez seja a idade.
lembro de me perder pela noite, entre os pequenos bares
- daqui a quinze anos, já terei quarenta e cinco.
dizia o rapaz, assustado.
magro e moreno.
fino.
não parava. continuei o passo
apressado
deixei o abraço pra lá
te perdi.
tão singelo e simples.
agora encaro tua ausência
atrasada
aflita
afobada
inventada
eu manquei, tropecei
perdi a hora sentada na calçada
roendo o dedo, torcendo o cacho
e você ali, na sexta-feira.
fiquei triste. acho que já mencionei isso.
sai do tom. sai do tom e perdi o tempo. porque ritmo eu nunca tive.
e você ali
tocando gaita?
contei até três
desci as escadas, entrei em todas as salas
e nada.
nada.
vocês resolveram morar na cidade em que eu nasci.
apartamento, um quarto. talvez dois.
mas não rasgo com isso. a minha pele continua intacta. o incomodo é atento ao meu atraso. invento! deixa pra lá, melhor parar com isso. dormi muito durante a tarde, isso me deixa zonza.
observo uma rua movimentada. estou fora. você me pergunta o por que.
você me pede uma terça.
eu não vou.
perdi pele.
e cachos e sextas. repito o não dito. repito as palavras. atraso. quantas vezes? vejo teus cachos na estação luz. mas me engano. escuto teu nome entre uma dose e outra. um rapaz loiro, tão vivido. tão cansado. simples. ele se apresenta. é você. outro engano.
hoje eu perdi um amor, mas com um ano de atraso. (que embaraço) quantas cartas, letras e aliterações excessivas. te imagino lendo. mas tua imagem se esfacela
e teus parenteses tão bem colocados
como tuas vírgulas e pontos e letras que se encaixam e estouram meus tímpanos. teu pedido de sonho
tua escrita tão presa em meu corpo
e você me pergunta o por que. e diz que é tão longe
e eu te passo meu número
e o telefone não toca.
hoje é sexta-feira.
como tantas.
estou atrasada.
andava com pressa
pois perdi o passo. a bossa nova segue
mas meu disco estilhaçou. atentei as mãos entrelaçadas
o tornozelo fino da moça
a pele branca, e os fios loiros. vocês tão adultos.
e eu aos quinze
mas com vinte e três. números, de certo, nunca foram meu forte. então deixa pra lá
que como disse o poeta
a vida é assim mesmo.
que como disse o poeta
a vida é assim mesmo.
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