sábado, 10 de abril de 2010

Passado.

Eles estavam na calçada, era uma tarde quente de dezembro, o sol era intenso e a conversa sem presa.
-Mas você acha eu tenho um padrão?
-Acho que você é previsível demais sabe....?
-Não, não sei.
-Os assuntos tem sempre a mesma essência, as palavras não mudam, de uma certa forma é como se fosse a sua assinatura, então pode ser que isso seja bom....
-Pior é que eu sei de tudo isso e não acho nada bom, sempre leio inúmeros textos que me inspiram loucamente, textos diferentes, personagens mais loucos, palavras não tão glamorosa...mas daí eu começo a escrever e fica tudo igual, tudo...a minha essência, as mesmas idéias.
-Mas não pode ser teu estilo?
-Pode, mas enjoa, eu queria conseguir falar de crianças, de natureza e todas essas coisas que eu não acho tão interessante escrever.
-Você gosta de escrever sobre o amor?
-Só se for sobre um amor triste, mal resolvido, ou traições...dissimulações...nada muito puro não..
-Fatalista, pessimista, mas no final das contas aposto que é piegas.
-Piegas...eu adoro usar essa palavra.
-E se o texto fosse sobre o conceito do amor?
-Eu ia me sentir na época do cursinho sabe? Aqueles temas de redação todos filosóficos que se restringiam a norma culta e trinta e duas linhas, ah claro...usar a coletânea, por favor!
-Você é tão sarcástico...isso me irrita as vezes.
-Isso me irrita sempre, mas voltando a falar sobre o amor...deixa eu te contar uma viagem que eu tive ontem antes de dormir.
-Fala!
-Bom...eu comecei a pensar que a gente ama várias pessoas durante a vida...e com cada pessoa a gente concretiza o amor de uma forma diferente.
-Espera...você ta falando de amor entre pai..filho..assim ou amor carnal?
-Amor carnal..não que eu ache que a palavra “carnal” simplifique tudo mas enfim...a gente concretiza de várias maneiras...seja com as palavras, ações...poesias e até mesmo grandes filmes...a gente tira o amor do mundo das idéias e leva ele para nossa cama, para o nosso chuveiro...mesa..pro nosso cotidiano certo?
-Hm...e ai?
-E ai um belo dia acaba...certo...acaba antes..mas um belo dia a gente percebe...e resolve terminar todo aquele relacionamento, em alguns dos casos...
-É, em outros prefere a conformação cotidiana.
-Pois é...mas é todo aquele passado que aquelas duas pessoas formaram?É tão complicado lidar com isso, acabar um relacionamento...é necessariamente ter que acabar com um passado?
-Não..eu acho que não...é aprender lidar com ele.
-Eis a dificuldade...o passado está ainda presente em tudo, ainda mais se o casal tiver passado muitas coisas juntos sabe?
-Eu sei..mas não estou entendendo onde você quer chegar, para variar!
-Bom..nem eu sei ao certo, mas é algo assim...ai você consegue aprender a “lidar” com esse passado, aparece outra pessoa...você se encanta...e ai novamente...você está fazendo um passado...o passado é presente sempre! Como a gente consegue isso? Temos tantos passados, de tantas pessoas entrelaçadas na nossa vida...somos tantas vezes..resultado dessas pessoas..que sequer nem falamos..nem sabemos como estão...
-É claro, partindo do pressuposto que você sempre vai terminar com alguém...não existe possibilidade de manter o passado a flor da pele, e ainda por cima se vai ter outras pessoas na sua vida...existe o ciúme, que impede o contato extremo com seu ex namorado ou namorada! Somos sim, resultados de todas as pessoas que passaram pela nossa vida, mas não só no caso de namorados, namoradas, aventuras, amigos, enfim....é impossível a gente saber se todos estão bem...
-Pois é, esse é o meu ponto, não é incrível saber que você tem a essência de várias pessoas apesar de estar distante fisicamente e até emocionalmente delas?
-É..pensando por esse lado...é um pouco louco pensar nisso...você não se imagina não pensando no passado?
-Meu passado é a minha vida, tem como eu me imaginar sem ela?
-O presente e o futuro também são a sua vida.
-O presente pode ser, o futuro..ainda não sei..se eu morrer agora, o meu futuro não existe mais.
-As vezes eu acho que você sofre com esse teu encantamento pelo passado, creio que você não consegue lidar muito com ele, afinal..foi tão intenso..e a tua questão....seria o que fazer com todos esses passado que a gente não consegue lidar, nem esquecer...
-É...acho que eu sou viciado em passados.
-Tudo isso é loucura, você pode ser viciado em um futuro que já passou.
Bernardo olhou para aquela resposta e sorriu, abraçou o amigo e mudaram de assunto.

2 comentários:

Katia Dias disse...

Belo conteúdo em seus textos, em seu blog. Poesia e simplicidade em toda essa complexa estrutura em torno de nós... É disso que precisamos, pessoinhas que pensam com delicadeza e têm a coragem de mostrar o que vai na alma... É assim que o mundo vai girando para o bem... Parabéns!

diri disse...

Que engraçado você falar disso, esses dias pensava que cada gesto que eu tenho vem de alguém, e às vezes até consigo precisar a data em que me apossei desses hábitos.
Francamente, eu não sei o que é mais misterioso: o futuro ou o passado. O primeiro a gente não sabe como será; o segundo, a gente especula mil maneiras de como foi.