sexta-feira, 27 de novembro de 2009

Minha Lucidez....

Será que estou ficando louco? Confundo os meus sentidos e tento enganar minha razão, já não escuto os outros, deixo as palavras ecoarem sem som em minha mente.
Questiono tudo, mas até disso já me cansei, questiono o motivo de não questionar mais.
Preciso escrever, mas perco tempo com banalidades, meu trabalho me deprime, já não consigo efetuá-lo com tanto entusiasmo, tanto? Nenhum, eu diria. A saúde tenta me privar dos meus direitos, já não posso nem beber, nem fumar, sexo não me importa mais, a textura que eu mais desejava desapareceu entre algumas linhas dos poemas de Camões.
Meu paladar me engana, insiste em querer deixar de existir, estou doente da alma e dos olhos, escuto vozes, deliro em alguém que não fui, perco meu tempo pensando em quem poderia ser.
A única coisa que me mantém vivo é escrever, quanto mais escrevo mais eu sofro, mais eu sangro, porém, só através de tal masoquismo me sinto vivo.
Não quero que publiquem minhas cartas ridículas de amor, não quero desconhecidos analisando minhas angustias, minha dor e meus delírios.
Eu sangro em cada linha, eu preciso sangrar, meu amor...Não se preocupe com minha loucura, agora eles acham até graça. Não estou morrendo, nem com graves problemas de saúde, não se preocupe pequena minha..ainda iremos namorar no portão como antigamente.
Assim que todas minhas cicatrizes pararem de arder, assim que eu não escutar mais aqueles gritos e não enxergar mais a escuridão.
Eu deveria ter gritado mais? Será que assim alguém iria me ouvir? Iriam parar de me bater?
Eu sei que pareço louco, talvez esteja, tentaram me impedir de pensar, de escrever!
Minhas linhas são minhas confidentes, minhas companheiras, meu papel é ternura e violência.
Flor..flor de lírio..eu ainda tenho minhas lembranças com você, com teu cheiro e teu corpo.
Eu ainda converso com as estrelas apesar de me sentir um parnasiano.
Você é minha lucidez, por favor, não se afaste da minha loucura.
Agora tentarei dormir, Paris faz muito frio.
Eu te quero bem.
Seu, e sempre teu
Fernando

03/11/1982

sexta-feira, 9 de outubro de 2009

Olhos de Verão.

Eu queria tirar a tua textura da minha mente.
Tirar teu arrepio do meu corpo.
As palavras cessaram, mas mesmo assim eu desejo achar um pretexto.
Tua voz ecoa entre a nossa distância e não te enxergo.
As suas palavras inexistentes fazem da minha tristeza real.
O teu silêncio faz com que o meu concreto transforme-se em esquizofrenia.
Me perco entre as lembranças efêmeras de um passado feito às pressas.
Sinto repulsa, ódio e ternura.
Confundo os diálogos e invento olhares.
Só me resta o labirinto.

Nem sempre a tua, Ana C.

sábado, 26 de setembro de 2009

Vida Miserável.

Tadinha, mãe de cinco filhos, empregada doméstica, a patroa era o capeta e ainda por cima não pagava direito.
A coitada não podia largar o emprego, lá pelo menos ela possuía algum sustento. Dois filhos já eram adultos, trabalhavam em um camelô no centro, mas ainda moravam com a mãe, os outros três eram adolescentes, um estava encrencado com as drogas, os outros eram da Igreja.
Todos homens, sem nenhuma menina para dar uma certa ternura feminina para mãe. Ah...o marido? Morreu picado por uma cobra no canavial onde trabalhava, ai a esposa juntou os cinco filhos e vieram todos tentar a vida em São Paulo.
Ela virou crente, ia para o culto todos os dias, orava...orava...doava metade do seu salário para Igreja. Tadinha...os pastores eram um bando de filhos da puta que roubavam o dinheiro dela...e de todos os fieis, não só isso..roubavam também o tempo e toda razão que eles possuíam, em troca recebiam um consolo ilusório para aguentar tanta miséria.
O filho mais novo foi preso, a mão desmoronou....chegava atrasada no emprego e agüentava calada os desaforos da patroa, tinha que chorar dentro daquele banheiro minúsculo, sentada na privada, com a bíblia na mão....
Pediu para Igreja orar pelo filho preso...fazer o que...ela não tinha dinheiro para contratar advogado.
Agora vivam os cinco na casa de um cômodo, dois dormiam juntos...outros dois no chão...e o caçula com ela...Ai um dia desse todos eles foram para o culto, por um pedido choroso da mãe, iram orar pelo irmão.
Pois é...o dinheiro que ela e todos aqueles fieis davam para as obras da Igreja deve ter sido usado para bancar o carro zero de cada um dos pastores, além das festas particulares que eles deram....enquanto isso o teto da casa do Senhor continuava precisando de reforma.
E bem no dia em que a família toda estava lá...desabou tudo, todos morreram inclusive a mãe e os quatro filhos.
O que estava na cadeia ficou louco quando soube e resolveu cortar os pulsos..não deu muito certo e então resolveu se enforcar.
Todos foram enterrados juntos, porém sem um túmulo, sem uma lápide...se não tiverem condições nem para nascer, quem dirá para morrer.
Ninguém foi visitar, ninguém foi deixar flores...
Eles não influenciaram o mundo em nada, nem com a vida e muito menos com a morte.
Triste né, pena que é real.

Ana T.

sábado, 12 de setembro de 2009

Um dia desses...

Acordei super bem e disposta, tomei suco de laranja. Dormi bem.
Acordei te procurando na cama, não te vi.
Levantei com preguiça e procurei por um bilhete, não achei.
Nem azul, nem amarelo.
Resolvi passar na padaria e comprar guloseimas, achei os amanteigados que você tanto gosta.
Suco de laranja para mim, de abacaxi para você, cinco pães quentinhos e pães de queijo para alegrar a manhã.
Cheguei em casa, não te achei, mas mesmo assim resolvi preparar a mesa para o café.
Que bonito...coloquei margaridas para enfeitar e Beatles combinava com a claridade serena.
Dois pratos, dois copos...mesa para dois. Eu sento um pouco na cadeira, te espero mas você não vem. Tomo meu suco lendo Jorge Amado, resolvo não comer nada.
Escovo os meus dentes, lavo meu rosto e ainda não te vejo, arrumo a cama e sinto teu cheiro.
Preciso sair, troco de roupa e coloco aquele vestido bem bonito que você tanto adora.
A tua ausência ainda grita, eu resolvo te deixar um bilhete em cima da cama.
Escrevi em duas linhas, com caneta esferográfica em um papelzinho azul.
Mas daí eu lembrei...que para mim...você não existe mais...
Amassei o papel, tirei um prato e um copo da mesa, joguei as margaridas no lixo e sai.
Sem bilhetes e com a tua ausência fazendo um barulho ensurdecedor.

Ana T.

domingo, 6 de setembro de 2009

Um Soneto.

Para André:

Soneto de vinho.

És Ezequiel no olhar.
Dionísio na face.
As tuas mãos são fugitivas.
Teus olhares efêmeros.

És vinho na essência.
Poesia nas palavras.
A intensidade te faz refém de suas próprias ações.
E tua melodia doce deixa reles mortais desconcertados.

Destila por muitas vezes a inocência.
Que se contrapõe constantemente com a tua audácia voraz.
És paradoxal no sentido mais belo.

Usa da razão como refúgio dos prazeres que lhe geram medo.
Apesar das vozes opostas em sua mente prefere a realidade dos sentidos.
Sendo assim, a flor da pele.


Com amor, Raquel.




quinta-feira, 23 de julho de 2009

Caixa Postal

-Qual vai ser a desculpa?
-Que desculpa...eu não fiz nada, será que você não entende que o meu trabalho ocupa todo o tempo que tenho, portanto me distraí. É incrível essa tua necessidade de fantasiar histórias mirabolantes.
-Quem não entende aqui...é você...eu simplesmente não quero mais ouvir nada disso, eu não quero mais ser racional, chega.
-Quer terminar então?
-Você me traiu ontem?
-O quê? A gente não faz parte de um filme, pára de comparar a vida com a porcaria da sétima arte, será que você não consegue viver o que realmente acontece, tem que ficar em um paralelo que nem existe!
-Eu nunca te perguntei isso antes, apenas responda.
-Eu me nego a responder.
-Então pega essa aliança...e eu realmente espero que a noite de ontem tenha sido sublime, deve ter sido não é mesmo? Para você sumir o dia inteiro...e provavelmente ficar se lamentando no ombro de algum amigo teu.
-Céus, quanta bobagem, quanta loucura..a única coisa que eu fiz foi sair, cheguei em casa tarde, acordei cedo hoje..fui para o trabalho..meu celular ficou em casa...na volta, o trânsito estava insuportável por causa da chuva...e aqui estou, ouvindo as suas lamentações por algo que não aconteceu e nunca vai acontecer.
-A sua lógica me irrita, ela sempre me convenceu, sempre me sentia uma idiota depois de reclamar de algo sobre você...mas desta vez é muito diferente, você me traiu e eu sei disso, eu vou dar ênfase que nunca dei um ataque histérico de ciúme e muito menos estou dando agora...é apenas uma certeza.
-Qual foi o último filme que você viu? Closer? ou andou lendo Nelson Rodrigues novamente? Quer que eu comece a falar como eu fiz sexo com a teórica mulher...e de um tapa na sua cara? Pára com essa mania insuportável..você não é personagem de nenhum filme, você não tem coragem para fazer uma faculdade de cinema, então faça direito a tua escolha e não deixe suas frustrações atrapalharem nossa vida.
-Que vida? Que relacionamento? O que a gente é senão uma breve lembrança de um passado agradável?
-As tuas frases feitas parecem sair de um livro desses que a gente encontra nas estações de metrô.
-Pois é, elas eu aprendi bem com você...
-Eu não trai você, eu nunca trai você...será que é tão difícil entender? Por mais que você queria um bom motivo para sair por essa porta e nunca mais dar as caras, não vai ser por adultério, eu infelizmente amo você como todas as suas loucuras e manias estranhas.
-Você estava com ela, eu tenho certeza.
-Sim, eu estava.
-E ainda tem coragem de dizer que não me traiu? Com ela na história a ordem cronológica muda totalmente, creio que existe algo errado então.
-Na realidade, sim...quando eu estava saindo do escritório..ela estava na porta me esperando...
-E ai vocês foram para a sua casa e transaram a noite toda, aposto que você lembrou de mim quando acordou...resolveu chamar o Caio...para agüentar as suas lamentações e justificativas.
-Se você continuar falando assim eu realmente vou embora.
-Tira a mão do meu braço, você está me machucando.
-Eu te amo, porra!
-Tá bom...amor não tem nada haver com sexo e você sabe muito bem disso, a gente não se dá bem na cama faz tempo e nem casado a gente é.
[Silêncio.]
-Então por que você não termina comigo logo? Caramba, sempre tão presa nessa imagem que criou de mim, é capaz de que imagine até a minha respiração enquanto eu estava na cama com ela.
-Então você estava.
-Não, eu não estava, na sua imaginação eu estava.
-Eu não sei por que eu não termino com você...
[Ela esfrega os olhos, senta na poltrona, tira os óculos e coloca em cima da mesa.]
[Ana continuou:]
-Cada vez que a sua caixa postal atendia eu tinha vontade de gritar, a maldita típica falta de ar, mas por outro lado...esta foi a primeira vez que eu tive certeza, me senti aliviada, finalmente eu ia conseguir olhar para você..e gritar: chega!
-Mas se nada disso aconteceu, se ela simplesmente trocou breves palavras comigo? Por que você tem que querer tanto o sofrimento? Sua vida não é arte, não é poesia, não é cinema nem música, pára de achar que tem uma platéia esperando seus atos de filme francês, você NÃO É UMA PERSONAGEM DE UM FILME DO BERTOLUCCI.
-Desta vez, nada do que você está falando...me importa, eu sou filme, eu sou a música, eu sou o que eu quero ser, inclusive abstrata da maneira que você mais odeia, ser racional é irritante, cansei...se você realmente não fez sexo com ela na tua casa, olha para mim...e fala.
[Silêncio.]
-Não tenta me beijar, você acha realmente que eu ia conseguir te beijar? As vezes eu sinto uma certa repulsa, é como um estranho tentasse me beijar..estranho não..um conhecido...desses entediantes entende? Eu sinto tédio de você.
-Então termina comigo, é tão simples...se eu te enjôo, te dou tédio, repulsa, por que você parece tão feliz quando eu te acordo com o cigarro aceso e o suco de abacaxi com hortelã?
-Eu gosto da melodia dos teus passos, eu gosto...eu não sei do que eu gosto, e a porra do assunto não é essa, chega de falar das lembranças e da serenidade que é sorrir para você, você transou com ela?
-Ana...
[Ela altera o tom da voz.]
-Você transou com ela?
[Mãos dele coçam os olhos, tira os óculos, senta na poltrona ao lado dela.]
-Você transou com ela porra?
-Ana...
-Eu quero ouvir se você fez sexo com a Carla na tua casa, eu quero saber isto entendeu? É tão complicado assim? Fala, grita!
[A voz dele se altera demasiadamente.]
-Sim porra, é o que você quer ouvir não é? Transei com ela porra!
-Como foi?
-Você quer que isso pareça Closer, está bem...ela apareceu na porcaria daquele escritório, estava com um vestido extremamente provocante, me chamou para tomar a porra de um drink, eu bebi mais de um, mais de dez...e fomos para minha casa e eu transei com ela a noite inteira, sim..eu lembrei de você algumas vezes..e no dia seguinte...procurei o Tiago para me lamentar...
-Tão previsível...aliais..nem tanto não é? Errei..foi o Tiago e não o Caio..
[Ela falou com um tom da voz sarcástico, masoquista.]
-Agora você vai me mandar embora, vai jogar a aliança na minha cara? Eu nunca me arrependi tanto de algo que eu fiz..acordei, pensei que era vo...
-Quieto, agora não quero mais ouvir, muito menos suas explicações, é óbvio que o nosso namoro acabou..mas ele não acabou aqui, por isso..ele acabou faz muito tempo portanto..esse motivo foi como se fosse uma bela desculpa.
-Ana..vem aqui, a gente precisa conversar.
[Ela foi, o beijou na boca...beijou o pescoço...sentiu o cheiro de Carla no corpo dele, as imagens ecoavam na mente de Ana, a respiração, os toques, ela teve vontade de gritar...de se unhar e quebrar o vidro, se cortar e ver o sangue escorrendo por aquela pele branca tão diferente da cor de Carla.]
-Você é louca? Quer que a gente vá para o quarto e faça sexo? É isso?
-Não..eu não conseguiria, se não conseguia nem quando ainda fingíamos ter algo..imagina agora..faz o seguinte...vai embora. Ah, claro..eu estou mandando você embora para deixar a cena com um tom de filme francês...bate a porta..na realidade estou pensando se eu devo te dar um tapa na cara..mas acho que isto é muito Nelson Rodrigues....
-Ana..eu..sinto muito...tanto..eu..estava tão..carente...sentindo falta do teu corpo...
-Ah, já que não tinha o meu..é óbvio que você foi procurar o cheio de curvas da Carla não é? Eu não vou me rebaixar e imaginar o que vocês fizeram na cama, apesar de saber que eu vou ter insônia por causa desta cena nojenta.
-Ana...me escuta.
-Não quero não...vai embora, não quero ficar ouvindo o motivo, as racionalidades, a lógica...eu sei que a gente não fazia sexo...há um bom tempo...mas eu jamais vou me rebaixar e colocar a culpa em mim, se a gente não fazia sexo é porque eu não tinha mais tesão para isso, então..vai embora.
-Ana...
-Porra Paulo, sai daqui...você quer que eu comece a falar como eu odeio aquela vadia? O quanto eu tenho nojo dela, e o quanto eu tenho nojo de tudo o que vocês fizeram naquela cama...se eu continuar falando eu vou vomitar aqui...eu nunca fui santa, nunca escondi que me atraia por inúmeras pessoas...mas sexo é íntimo demais para fazer com quem a gente tem nojo, então sai daqui agora..eu não quero mais sentir o cheiro de perfume de quinta categoria que ela tem...vai embora, só isso.
-Ana...vem aqui.
[Ela jogou um porta retrato no chão, quebrou em inúmeros pedaços...era uma foto deles, ironia..um caco acabou cortando a mão dela, que agora sangrava...e dava uma bela cena de Nelson Rodrigues, o sangue escorrendo pela pele clara.]
-Vai embora..lembranças não vivem a eternidade quando querem pertencer a um futuro...a gente só é lembrança...nostalgia..sai daqui...você me da tédio..vai..procura a Carla..transa com ela bastante...e conta para ela...
[Ela continuava:]
-Solta o meu braço..tira a mão de mim...me larga...
[O problema não é a traição em si, e sim o ecoar dar imagens que nunca vimos em nossa mente, a respiração e até mesmo o que foi dito, escutamos tudo isso e o pior é que a nossa imaginação sempre consegue apimentar a nossa angustia, seja lá o motivo...é um certo masoquismo...o problema da traição...é que quando você estiver na cama com ele, ou com ela..vai lembrar...que aquele ser humanos ali...já fez sexo com aquela pessoa...e você vai começar imaginar novamente e perder a concentração. Tão previsível e banal, como somos tão dependentes dos corpos alheios... A Ana e o Paulo..o Paulo e Ana..fizeram sexo ali no chão...a violência e insultos apimentaram aquela relação..Ana mandou ele falar que ela era melhor do que a Carla..e Paulo mando ela gritar que só tinha atração por ele, pelo corpo dele. Óbvio que não foi algo saudável..óbvio que os cacos de vidro cortaram mais ainda aqueles dois seres, tão dependentes um do outro e tão necessariamente separáveis. Fumaram um cigarro depois do sexo, que, diga-se de passagem, foi sublime, ela se sentia em um filme...ele em uma fotografia preto e branco, o dinâmico e o estático, ali..juntos. Se eles ficaram juntos? Ah..creio que não...Paulo sai as pressas para o trabalho, a Ana bateu a porta...ele achava que estava tudo bem, que assim que chegasse na casa dela...Ana estaria sentada lendo com um cigarro na mão..e eles transariam novamente...e quando acordassem..o suco de abacaxi com hortelã daria o ar de sua graça...mas ela...assim que ele foi embora...arrumou as malas. São perfeitos demais uma para o outro...perfeição que conturba demais, não se preocupe..qualquer dias eles se encontram bêbados em uma mesa de bar, ela lendo Neruda..e ele ouvindo Toquinho...e fica tudo bem..isso se ela não resolveu desfazer as malas..Enfim..é apenas o fim.
Intensamente dependentes e necessariamente separáveis.]


ps: Está foto não é de minha autoria, achei no google.
Câmbio/Desligo.

terça-feira, 21 de julho de 2009

Eternidades Aleatórias.

-Mas carbonato de sódio existe!
-Se existe eu não sei a fórmula, ora!
-Então qual é a do bicarbonato?
-Esta aqui, olha...
-Deixa eu ver o seu caderno..
-Não, eu te mostro..odeio quando você tira as coisas da minha mão!
-Calma, só quero ver o seu caderno, não precisa ficar me olhando com essa cara...pára de bater as mãos na perna..isso demonstra o quão irritada você está.
-Então devolve o meu caderno, você não vai achar isso ai, ácido carbônico é um monoácido..já te falei isso, agora devolve meu caderno.
-Não é...é diácido, olha aqui..me empresta um lápis que eu te mostro.
-Ai, desencana...se for, se não for, deixa eu te mostrar o vídeo que eu queria vai...jájá carrega, solta esse caderno, caramba!
-Será que você não entende que cada dúvida que surge é um motivo para você relembrar mais a matéria? No meu tempo de estudo, eu poderia estar lendo qualquer matéria, caso calhasse uma dúvida sobre outra, imediatamente eu largava o que estava fazendo e procurava sanar a minha dúvida, ou melhor..meu esquecimento momentâneo...
- Tá bom vai, vou lá procurar no Google a maldita fórmula do carbonato de sódio, aproveito e vejo se o ácido carbônico é monoácido ou diácido está bem?
-Tá.
- Mas tem como você largar o meu caderno?
Silêncio.
-Tá certo, você tinha razão...ácido carbônico é diácido, ele é fraco por outros motivos e sim existe carbonato e a fórmula dele é esta...venha ver.
-Ah, falei..
-Mas aquela fórmula que você me disse sobre o acido nítrico não existe nem aqui nem na China.
- Tá, aquela não existe mesmo, errei.
-Senta aqui no chão e me ajuda com este exercício vai...
-Então me dá papel e caneta.
-Nem adianta tentar me ensinar deste jeito porque eu não aprendi assim..
-Mas você nem olhou....
Segundos depois.
-Entendeu?
-É..faz sentido...Obrigada..e este aqui?
-Mas esse está certo.
-Não ta não..olha o gabarito...
-Tô vendo, a resposta está igual a do seu caderno...
-Ah é...
Risos.
-Vou morder você depois dessa, sua lerda!
-Seu chato, vem aqui e para de falar de Química!
-Tá bom, mas eu estava certo.
-Parabéns! Quer um prêmio?
-Nossa, como eu te agüento?
Sorriso.
Ela o beijou com os olhos e com os lábios e ficaram deitados no chão juntos com os livros, falando de tantas outras banalidades e fazendo daquela manhã mais uma eternidade aleatória, com o som sereno das conversas sem pressa que ilustram dias como este: irracionalmente memoráveis.

domingo, 31 de maio de 2009

Inspiração alheia.

E as conseqüências daqueles exames vieram a tona para Ana, que os expressou para Paulo, o próprio foi obrigado a dizer que já sabia, ela ficou um pouco irritada com ele, mas o Neruda em cima da cama com um laço vermelho a fez sorrir.
Ana ficou mais magra, Paulo também, ele não acordava mais Ana com o cigarro aceso, um suco de abacaxi com hortelã roubou o lugar, ela gosta de como o cabelo do Paulo cai, e o jeito como ele escreve, ele gosta dos quadros que Ana pinta.
Um dia ele resolveu colocá-los todos pendurados em lugares aleatórios da casa, ela não acreditou, por um lado ficou feliz por outro constrangida, sua arte era muito íntima para enfeitar os cômodos.
O Paulo ainda se irrita por causa da toalha molhada em cima da cama e do jeito como a Ana ri quando o vê balbuciando, o Paulo gosta de trazer morangos para Ana, ela não esta tão magra, mas o suco continua dando o ar de sua graça nas manhãs.
Abriram a caixa de Pandora e o passado de Ana a encarou friamente, as lágrimas fizeram do silêncio escurecedor, o Paulo viu tal cena, tantas cartas e papéis de bombons destilando a nostalgia diante os olhos de Ana.
Ele ficou encostado na porta e chorou sozinho no banheiro depois, a Ana sabe que ele viu e sabe que ele chorou, o passado nunca foi tão sombrio.
Mas a eternidade não existe nem nas angustias mais intensas, o Paulo viu a maneira como a Ana bebe água, semelhante a uma criança e sorriu, ela se desconcertou com aquele esquivo olhar imprevisível.
O Paulo gosta da Ana por cima e a Ana gosta dele com ar de professor, ela gosta que ele fique no controle [as intensidades de um passado não tão recente negam tal conclusão], ela gosta de morder e de arranhar e quer que Paulo faça o mesmo com ela.
Ana tem medo do barulho ensurdecedor dos talheres ecoando nos pratos vazios daqueles casais que já se acostumaram com o silêncio do mastigar alheio.
O Paulo e a Ana buscaram novos exames, a Ana chorou, o Paulo a rodopiou no colo, a Ana sugeriu uma lanchonete, mas o Paulo preferiu a surpresa do vinho, as lágrimas vistas pelo reflexo do espelho cessaram, os quadros de Ana tem mais brilho e os poemas de Paulo mais delírios.
O suco de abacaxi de hortelã virou rotina, mas aquela rotina gostosa...como o nosso espreguiçar, o cigarro aceso vem como as chuvas de verão e a caixa de Pandora com o passado de Ana está escondida entre as nostalgias dela.
As vezes o Paulo chora sozinho na varanda, mas quando ele se depara com a textura da pele de Ana, a eternidade monótona se transforma em efêmera.
E assim está bom, podem negar a existência da eternidade no amor, mas afinal, ter tanto de você em mim já não te torna eterno?




[ Tal texto foi totalmente inspirado em um pequeno conto de um garoto chamado Marcelo.
O blog dele é: http://potedebiscoitos.wordpress.com/2009/05/24/por-hora-tumblr-110309/ e o título é – Por Hora. ]

[ A foto é de João Paulo Saint Simon, meu irmão e melhor companheiro de viagem. ]

É isso senhores, câmbio e desligo.
Raquel.

sábado, 30 de maio de 2009

Memórias Perdidas. [ Primeira parte. ]

Memórias Perdidas.

- Que horas são?
Perguntava Lídia um pouco tonta, sem nenhuma noção de tempo e espaço.
-Três da tarde.
Respondia João com seu típico olhar sereno.
-Meu Deus! Preciso ir embora, perdi minha aula de teatro, o Caio vai me matar novamente.
-Toma um café, come alguma coisa, enquanto isso eu ligo para ele e aviso.
As palavras de João eram inúteis, a moça dos cabelos pretos já se trocava destilando pressa e uma certa irritação ao alheio.
Em frações de segundos já estava com sua camiseta vermelha e a calça desbotada bem justa, o cabelo precisava apenas do tocar de suas mãos e já estava impecável, era liso e curto, na altura da nuca, Lídia procurava seus óculos insistentemente e quando se deu conta, estavam nas mãos de João, que com um sorriso de lado observava aquela excêntrica mulher.
Ela se aproximou e em um gesto um pouco rude, pegou seu pertence, escovou seus dentes enquanto observava aquele moço de pulso fino através do reflexo do espelho, ela tocou em seus próprios cabelos, pegou sua bolsa, e beijou João no rosto, ele a abraçou forte e fechou a porta.
Lídia estava muito magra, não tinha um cotidiano, uma rotina, vivia na casa dos aleatórios, fumava compulsivamente e parecia perdida, nos olhares, nos sorrisos das pessoas com que estava, sempre olhando para o nada, como se estivesse procurando alguém.
E como de praxe, era exagerada, destilava exageros em toda parte, não, ela não perdeu a aula de teatro, chegou alguns minutos atrasadas e Caio, o diretor da peça, não deu a mínima quando a moça abriu a porta, mas se irritou com aquela mania.
- Lídia, por favor, o cigarro aceso aqui não.
Ela acatou seu pedido em segundos, com um pedido de desculpa expresso pelo olhar, apagou o cigarro e sentou-se com todos na roda, ali ela se encontrava e por isso era a única coisa que levava a sério, o resto era silêncio.
Se existia uma pessoa em que Lídia admirava era Caio, ele tinha seus trinta e poucos anos e seu um jeito gélido de ligar com seus atores, era bom na retórica e apesar da aparência séria, um sorriso contradizia aquele olhar de desprezo pelos outros.
Ela não sabia o motivo, mas realmente gostava daquele moço, mesmo que os diálogos fossem tão escassos, ela a encarava, a provocava.
E ali, naquela roda, ficaram horas, discutindo textos, idéias e inventando personagens, características, estavam mesmo é reinventando a vida de cada um, naquele espaço eles poderiam ser a essência.
Após duas horas era o fim, pelo menos aquele fim, todos saíram, se despediram e voltaram ser a estética vazia que eram, Lídia levantou sem pressa, olhou no relógio e constatou que eram seis horas e trinta e três minutos, colocou seu tênis que estava aleatoriamente em algum canto, apanhou sua bolsa e saiu, sem nenhum despedida efusiva.
Acendeu um cigarro assim que colocou os pés na rua, fazia frio e ela estava sem blusa como previsto, era um entardecer típico paulistano, as luzes davam o som para aquelas ruas cheias de caos, diálogos sem sentido eram escutados, algumas palavras, tantas histórias e Lídia com aquele mesmo olhar fixo, procurando o eterno e o efêmero.
Havia largado a faculdade de Direito no ano anterior, tinha 21 anos e fazia um curso pré-vestibulando para entrar em Artes Cênicas, porém com o passar das estações já não sabia mais qual era a sua escolha, freqüentava as aulas como alguns dos falsos católicos que freqüentam a missa, a moça escolhia as aulas, afinal já não sabia o que ocorreria no final daquele ano.
Resolveu naquele dia assistir uma palestra de Sociologia que teria às 8 horas, o lugar era próximo, apenas alguns minutos e já estaria lá, não via aquele ambiente há pelo menos três ou quarto dias.
Chegou bem adiantada, subiu as escadas, colocou Crime e Castigo para guardar a sua carteira, bem na frente, pois aqueles óculos já não melhoravam sua visão, a sala ainda estava vazia e aproveitando para fugir das futuras perguntas sobre a sua ausência, desceu as escadas com pressa e em meio a distração percebeu um moço que fazia o sentido oposto ao seu, o olhar de Lídia não estava mais procurando, ele ficou fixo naqueles olhos aleatórios que passaram como uma fração de segundo.
Enquanto o moço claro continuava a subir, a menina o acompanhava com seus olhos e após um suspiro os olhos esverdeados de Lidia já estavam perdidos, desceu as escadas sem entender a fissura por aquele estranho que nem o rosto conseguiu enxergar direito e procurou um lugar mais tranqüilo.
Achou, encostou-se a parede, pegou um cigarro na bolsa, procurava seu isqueiro sem paciência.
- Porra, onde está essa porcaria?
Exclamava sozinha.
Procurou nos bolsos, mais uma vez na bolsa, e nada, perto dela não existiam muitas pessoas e ela não estava expressando vontade de reproduzir sons até que ela escutou uma voz baixa e abafada falando com timidez:
- Isto é seu, garota?
O olhar de Lídia parou, voltou-se para aquela voz e deparou-se novamente com aquele moço, o que havia encontrado nas escadas, não conseguia responder, era como se olhasse para ela mesma, pediu pela racionalidade e ela lhe deu algumas palavras.
- É...eu...estava procurando ele agora mesmo.
- Acho que você deixou cair na escada.
- Obrigada.
Ele acenou com a cabeça e saiu, parecia tão triste, mas ao mesmo tempo sereno, Lídia não entendia o que a desconcertava naquele moço, era pequeno, silhueta magra e cabelos pretos, cachos desleixados, e andava em uma melodia ainda não identificada.
- Espera moço!
Ezequiel não esperava por aquela voz ecoando em sua mente, parou de andar e a encarou com os olhos esperando alguma fala.
- Você vai ficar para palestra também ou nem faz idéia do que eu estou falando?
Ele riu, um riso doce, sereno, parecia mesmo que quem ria eram seus olhos, quem se expressava era seus olhos.
- Eu trabalho aqui moça.
- Ah, desculpa, digamos que a minha freqüência aqui está se tornando um pouco rara, você trabalha no pedagógico?
- Não, não...sou professor mesmo.
Lídia sentiu uma tontura, uma falta de ar, diversas vozes ecoaram em sua mente: professor...professor.... Colocou as mãos sobre os olhos e tentou acordar.
- Você está bem?
Perguntava ele sem esboçar uma reação demasiadamente preocupada.
- Sim... acho que estou com fome.
Antes de o deixarele completar sua última frase ela continuou:
- Me desculpa, não deveria ter tentando adivinhar quem você é.
- Não, tudo bem, com essa minha aparência de “gente séria” é normal a tua confusão, quer tomar um café e comer alguma coisa?
- Quero sim!
Lidia definitivamente não era assim, era antipática, fria e detestava pessoas demasiadamente doces, pelos menos assim ela achava que era.
Enquanto eles andavam em um silêncio confortável, os olhos de Lídia estavam nos olhos de Ezequiel, e os olhos de Ezequiel eram esquivos aos de Lídia.
O cigarro e o isqueiro foram esquecidos no chão assim como a máscara de cada um daqueles seres.
Era como andar do lado de um amigo antigo, de um amor mais antigo ainda, aqueles que a gente escreve para eternizar, já que não vão ser concretos pelo menos enfeitam as páginas da nossa adolescência.
Em um momento de impulso, Lídia parou bruscamente de andar, segurou as mãos de Ezequiel e encarou-o visivelmente pela primeira vez.
- Moço, não me acha uma louca mas eu realmente te conheço de algum lugar, isso de maneira nenhuma é um flerte ou algo parecido, mas eu estou extremamente conturbada com essa situação apesar do silêncio estar confortante.
Ele sorriu, desta vez com os lábios, não largou as mãos de Lídia, apenas segurou-as com mais intensidade, chegou bem próximo dela e a abraçou, um abraço sem pressa, com o corpo inteiro, ela não entendia, o perfume dele fazia parte do seu cotidiano que um dia tinha existido, a textura da pele dele estava em alguma das suas rotinas, o seu coração estava disparado e ela finalmente se entregou aquele abraço, de corpo inteiro.
E durou frações de segundos eternas, os olhos dela não olhavam mais para lugar algum, estavam fechados e os dele também, era a pura essência.
Um movimento brusco tirou a poesia da cena.
- Desculpa Lídia, eu realmente preciso ir, já deve ser quase oito horas e eu ainda não terminei de preparar uma aula.
Disse ele, já longe do corpo dela.
O silêncio disse por Lídia, enquanto ele se afastava, as questões dela tendiam ao infinito.
Ela ficou parada, vendo a realidade ir embora até que o seu próprio nome começou ecoar em sua mente: Lídia, Lídia, Lídia.
- Como ele sabe meu nome?
Exclamava a moça.
Correu para encontrá-lo, subiu as escadas em uma velocidade extrema, de andar em andar até deparar-se com a porta fechada, viu pela pequena janela, uma sala lotada com alunos, a lousa com alguns poucos números e ele com aqueles olhos serenos e tristes.
Os olhares se cruzaram por um único instante, ela não queria atrapalhar a aula dele, estava conturbada e sem alicerces, sentou no chão enquanto a voz de Ezequiel ecoava na sala e fora dela.
Ela queria roubar os olhos dele, e não só os olhos.

quinta-feira, 21 de maio de 2009

Sexta-feira.


Te ver é sempre tão bom.
Com teu olho pequeno.
Teu rosto claro e aquele típico pseudo-sorriso feito com o canto da boca.
Tua silhueta magra e teus cachos desleixados
Te fazem sereno.
Teus passos viram bossa nova.
E os abraços devaneios.
Me acalmam tanto e me levam para o mundo das idéias.
Faz do meu irreal, real e da realidade, delírio.
E diante disso fico confusa.
Às vezes teu olhar não reflete no meu.
Mas no aleatório ele me surpreende.
As palavras deixam de ter som e as frases já nem insistem na existência.
Peço pela razão.
Ela tende a falhar.
Mas desta vez o racional resolveu sorrir para mim.
Me fazendo desviar do seu aleatório olhar.
Resistindo a tua face austera e tão clara.
Me chama para te acompanhar na caminhada.
Mas não usa tanto das palavras.
Você não precisa delas.
Eu neguei usando do alheio para mascarar os meus medos.
Você não esboçou reação, e quando esboça?
Mas usou das palavras para me fazer sorrir.
E sumiu na multidão com teu jeito atrapalhado.
Levando meus delírios e minhas poucas verdades.
Sem despedias e nada efusivo.
Assim eu gosto mais.
Já imagino novas frases e olhares.
Teu sorriso me encarando e destilando uma inocência promíscua.
Mas desisto do idealizar.
Te encontro logo.
Assim espero.
Mas da próxima vez
Por favor, razão
Me poupa das mentiras sinceras
Porque com você, elas não me interessam.

Ana T.

quarta-feira, 13 de maio de 2009

Antes do Amanhecer.

Se você pedisse para eu fugir contigo não hesitaria por nem um segundo, poderíamos ir para uma rodoviária qualquer e escolher uma qualquer cidade, sem grandes planos e discussões sobre o próximo passo.
Me empresta a sua camiseta que eu escrevo nas tuas páginas em branco, a gente consegue uma calçada e um vinho e podemos ficar um tempo assim, sentados no chão delirando sobre as estrelas inexistentes e declamando poemas sem som.
Sorri para mim com aquele teu jeito histérico e cobre os lábios com as mãos, como de praxe, depois me fala sobre o teu platônico e teus anseios, eu escuto cada descrição, cada palavra e cada frase, elas tomam a minha mente e em segundos e eu já me sinto uma personagem em tuas histórias.
Eu queria ser um conto seu, cheia de melindro e perfume, agora a gente fecha os olhos e descansa um pouco, pode deitar no meu colo, logo eu perco os meus sentidos devido ao ilícito e não só por ele.
Depois eu acordo no seu colo e não entendo mais nada, o dia é nublado e eu gosto disso, existe uma fresta de sol que tenta insistentemente ultrapassar algumas nuvens, você coloca teu casaco sobre os meus olhos e eu esboço um sorriso.
Agora percebo que nós dois estamos deitados em uma grama macia, eu no seu ombro e você me olha e ri, a mente lembra-se do vinho e os olhos derramam algumas lágrimas sinceras, o sol agora existe e é real, me queima a face, mas eu não quero sair dali.
O diálogo é sempre imprevisível, nunca sei bem qual vai ser o caminho, quando me deparo já estamos na caverna de Platão, no mito de Narciso, andamos sem pressa e falamos de vícios, futilidades da estética alheia e a própria, questionamos sobre o cotidiano banal de nossas vidas e caímos na promiscuidade com risadas que rosam meu rosto.
Te descrevo e descrevo o que me encanta no alheio, nos sorrisos e olhares aleatórios que fazem com que minhas noites virem sinônimo de insônia, você ri mais uma vez, se espanta com minhas conclusões e discorda, eu te dou um beijo estalado no rosto e teu sorriso me faz serena.
E tuas mãos fugitivas seguram a minha eternizando o espreguiçar sem pressa de uma amizade eterna que dura frações de segundo, eternamente, eterna mente a nossa que ao nos desconcertar é éter na mente e é ter na mente os nossos maiores devaneios e delírios.



Comentários atípicos sobre o texto:
O último parágrafo se inspira em um poema que brinca com as palavras e frases: eternamente, eterna mente, éter na mente, é ter na mente.
Porém eu realmente não lembro o nome do autor, tentei achar na internet mas são inúmeros os poemas em que isso ocorre.
E o meu texto é totalmente inspirado no filme: Antes do Amanhecer de Richard Linklater. Sublime por si só, não? O filme, claro!

é isso pessoas, câmbio e desligo.

Ana T.

terça-feira, 5 de maio de 2009

Uma pitada de Schopenhauer.

A vida é insana demais.
É tudo tão cheio de melindro, coisas tão minuciosas que definem os teus próximos passos, seja um olhar alheio que muda totalmente as tuas ideologias ou quem sabe um simples desencontro por causa da chuva, o celular não funcionou, ela não teve como avisar, você ficou sentando em um banco pensando o que tinha ocorrido, tentava ligar, não tinha sucesso e a sua imaginação foi além da dor para fazer com que desistisse mais rápido, saísse dali correndo e não procurando mais notícias da pessoa que chegou após alguns minutos, extremamente encharcada.
Os laços são feitos e desfeitos tão rápidos, o arrepio, o toque, os beijos e os olhares duram frações de segundos, a sintonia que existia na essência durou o tempo necessário para se tornar eterna nas páginas de um livro branco, apenas de um livro, apenas na literatura, o real foi esquecido, nem as lembranças traduzem mais as sensações.
Somos acostumados com o pessimismo, “não existem amores que duram para sempre, a pessoa que você julga seu melhor amigo vai sumir pela vida, tendo um caminho diferente do seu e provavelmente vocês vão se encontrar em uma quarta-feira cinzenta e vai existir um sorriso mutuo e vai se restringir a isso, vão ficar nostálgicos por algum tempo e talvez vejam fotos do passado mas esse é o limite”.
A gente cresce ouvindo isso, os poemas destilam a tristeza, a expressão é feita do amor perdido, da nostalgia pela amizade ou mesmo por uma época.
E talvez por tanto não acreditar em nada, usamos do consolo da juventude para poder assim parecer sonhador, mesmo que por muitas vezes escutamos os mais velhos falando o quão impossível é o futuro que esperamos, e infelizmente para parecer um tanto racional temos que mostrar para eles que sabemos que o “certo” é realmente a palavra deles, que sim...concordamos com a negação do nossos próprios sonhos usando mais uma vez a idade como uma desculpa.
Não quero questionar a existência de contos de fadas, mundo utópico e amores eternos, quero saber o motivo de pararmos de acreditar neles, a razão pela qual temos que nos mostrar racionas quando não precisamos assim ser, ensaiar discursos para provar aos mais velhos que não somos seres idealizadores, se assim somos, se assim queremos ser.
É uma dupla personalidade triste, por um lado temos a paixão, a intensidade e a crença em nós mesmos, na concretude de nossos sonhos e por outros temos frases feitas para provar para os nossos pais que teremos um trabalho assalariado e não vamos perder tempo tentando mudar algo imutável.
Existem esses dois seres em um ser humanos, porém em um determinado momento a segunda face fala mais alto, eis que fazemos de nós o nosso discurso pronto, a nossa frase feita, a personalidade que fingíamos ser.
Descrente em tudo.

Raquel. [?????????]


quinta-feira, 26 de março de 2009

Café e Cigarro.


Ana pensava naquele moço fazia algumas horas, a voz dele refletiu na noite de insônia que ela teve e o perfume intenso a acompanhava pelo caminho gélido da manhã, sentia sono, mas seus pensamentos a desconcertavam.
Era obrigada a perceber que já estava acordada, andando e fazendo sua típica rotina, presa em devaneios tortuosos, vozes sussurravam em seu ouvido, palavras doces e intensas, palavras que nunca tiveram som, eram apenas delírios que nosso cérebro resolve nos dar como uma espécie de consolo.
Entre um transporte e outro, entre uma rua e outra, ele estava presente em sua mente, entre um olhar e outro, era apenas um devaneio, que para Ana possuía um aroma de real.
Ela não poderia parar de pensar naquela sensação estranha, ainda mais por aquela determinada pessoa, esfregava as mãos nos olhos como uma tentativa de não ouvir mais seus próprios delírios, óbvio que a tentativa foi um fracasso, o moço persistia naquele labirinto, Ana não conseguia achar um raciocínio lógico para entender como começou a pensar naquele desconhecido um tanto quanto proximo, não achava o início de tal insanidade, só lembrava-se do aroma que as palavras deles tinham e como a desconcertavam.
Estava de fato perdida, assim como Dédalo em seu próprio labirinto, eis que Ana estava em sua própria e tortuosa mente.
Afeto, desejo, ternura, entre tantos outros sentimentos estranhos ela sentia, estranho não por cada em si, mas pela miscelânea que a tirava do sério, pensava na voz dele, ainda mais no perfume, na pele, na tentativa de um sorriso, naquele corpo que destilava desenhos feitos de mistério, Ana diante de tal fato já havia desistido da lógica, não possuía concentração e os olhares eram conturbados, tentava lembrar as palavras, que, diga-se de passagem, foram frações de segundos e jamais vão ser ditas como assim foram.
Mas assim é a memória, cheia de falhas para quem sabe não deixar uma cena cotidiana digna da sétima arte ou mesmo para fazer com que nossas lembranças sejam mais intensas e delirantes do que realmente foram, creio que Bentinho entenda bem o que as minhas palavras querem dizer, caro leitor.
Ela estava chegando ao início, no lugar onde Ana havia reparado naquele moço, era um espaço realmente físico, não eram devaneios da mente tortuosa da menina.
Os passos eram mais rápidos, o pensamento cada vez mais intenso, era como se ele estivesse ali ao seu lado, escutando tudo o que a tirava do sério, analisando cada sentido da garota, mas não estava, não poderia estar, era apenas mais um devaneio de Ana
Eis que no ápice dos delírios, ela se deparou com aquele moço, o coração disparou, não por romantismo entre outras pieguices, mas sim por um medo nada lógico, os olhares se cruzaram no instante em que ela o projetava em seu próprio mundo das idéias e agora, ele estava ali, real, não tinha como contestar, era tão físico quanto o espaço que os unia.
Ele a olhou como se soubesse de todos os pensamentos, até os mais eróticos, ele a olhou como se a conhecesse melhor do que ela mesma. Para Ana, a sensação foi essa, apesar do seu raciocínio lógico destilar palavras não muito agradáveis para tal pensamento.
Durou menos que uma fração de segundos, para os olhou alheios, foi uma cena típica, ela como sempre simpática fez um gesto com a cabeça e ele retribuiu com o olhar, estava sentado no chão, era uma cena bonita, o copo de café ao seu lado e um cigarro na mão esquerda dando o charme de uma cena parisiense.
Não sorria, apenas destilava mistério, mistério que vinha do seu corpo, corpo com desenhos, desenhos que a tiravam Ana, mais uma vez faziam Ana questionar toda a racionalidade existente nesse paralelo.
Para os reles seres humanos, eles não falaram nada, foi apenas um gentil comprimento entre seres estranhamente desconhecidos, mas para ela, ah...para ela, o moço sabia de tudo, até mesmo do que Ana nem sonhava em imaginar.


Devaneios e delírios, o que seriamos sem eles, afinal?



Para a própria: Ana.
Meu maior devaneio.

Destilando minha ironia, Alea.


segunda-feira, 2 de fevereiro de 2009

Geléia de amora.


Ele acordou, mas não queria, era obrigado por aquele maldito aparato eletrônico que não parava de fazer barulhos, em um gesto rude o moço deu um belo tapa em cima daquele aparelho perturbador e voltou a sua posição inicial.
Não queria sair daquela espécie de refúgio para todos os seus medos, anseios e até mesmo seus próprios delírios, mas não adiantava, não tinha como ignorar o tempo, que passava sem piedade dos mortais... reles mortais, tão dependentes e submissos a Cronos.
Abriu os olhos novamente, olhos..fugitivos do próprio reflexo do espelho, olhos de Dionísio..vá, de Dionísio...assim como certas ações de Enzo, que não deixavam a expressão a desejar.
Sem mais delongas leitor, perdoe-me.
Contradizendo o gesto rude logo ali, espreguiçou-se lentamente, dando melodia aos braços longos, porém finos que davam a beleza da ação, um suspiro rápido deu o ar de sua graça, mas logo acabou junto com seu espreguiçar.
Sentou na cama, com os pés tocando o chão, procurava os óculos em cima da escrivaninha que ficava ao seu lado, e lá estava entre livros e anotações, agora sim as coisas estavam voltando a ter foco, as lentes estavam sujas para variar, mas quem se importa, eram 7 horas da manhã.
Finalmente ele levantou, os cabelos desarrumados davam uma inocência infantil mas os olhos, como sempre eram contraditórios, destilando um certo desprezo pelo alheio, e foi exatamente daquela maneira que deu seus primeiros passos...apanhou seu roupão branco e colocou por cima de uma velha calça cinza, um tanto quanto larga para sua silhueta magra e uma camiseta branca, desbotada pela juventude que já passara.
Enzo teve que se encarar, culpa do espelho ali, escancarado, os olhos como sempre fugiram, passou as mãos pela face, mãos que eram de pianista, belas e fugitivas como os olhos, leitor...perdoe-me pelas repetições...mas existem pessoas que são como contos circulares, isso de maneira nenhuma é ruim, são seres que nos envolvem, nos prendem em suas características tantos psicológicas como estéticas.
Lavou o rosto, doces traços, escovou os dentes, sorrisos raros ele tinha, e em um passo lento foi até a varanda pegar o seu típico jornal, para enfim tomar seu café, comer algumas torradas lendo e tecendo comentários sobre as desgraças alheias, comentários ásperos, como se ele fosse superior as frases e a tudo, o meu medo é concluir que ele realmente acreditava nisso.
Saindo do mundo das idéias, Enzo saiu na rua de roupão como sempre fazia...foi andando até o fim de seu teórico jardim, limite para calçada, pegou o jornal e já foi logo destilando seu mau humor com a pobre de uma velinha que disse educadamente “Bom Dia moço, hoje vai fazer um frio daqueles!” Ele não respondeu, apenas lançou aquele olhar gélido, os olhos diminuíram e o silêncio fez um barulho ensurdecedor, ah como Enzo gostava de ser odiável, creio que era um de seus passatempos.
Agora o passo era rápido e áspero, entrou em casa procurando algum defeito na cozinha, e claro que achou...as torradas estavam todas quebradas dentro do pacote. “Praga daquela velha!” exclamou ele, em um dos típicos momentos de não assumir a própria culpa, resmungando como um casmurro colocou os pedaços em pequeno prato enquanto esquentava a água para o café, era metódico leitor... em demasia.
E foi exatamente como descrevi acima, porém com o incidente das torradas, sentado, com o cabelo ainda bagunçado, as lentes ainda sem foco e o olhar ainda gélido comia os pedaçinhos de torrada com geléia de amora, tomava café e destilava comentários sobre o jornal e o quão ignorantes eram os colunistas e jornalistas.
Assim foi a vida para ele, era como o personagem é para nós: circular. Enzo estava preso em seu próprio labirinto, assim como Dédalo, preso em sua própria construção. Pena, afinal a cor do cabelo de Enzo, os olhos de Dionísio e as mãos fugitivas eram capazes de desconcertar qualquer mortal, se assim fossem vistas.

Ana T, para o garoto.