domingo, 3 de abril de 2011

quase


Ler ao som de: Noite Severina

O corpo era esguio, as mãos fugitivas e os dedos finos seguravam o cigarro, um copo de vinho ao lado, talvez por isso fumasse, não era algo cotidiano, precisava estar ébrio para tal, os olhos tristes, um silêncio quase insustentável. Ana simplesmente estava lá, ele sabia que ela viria, ela se aproximou, mas sem se encostar, a fumaça pairava.
O jeito como ele segurava o cigarro, destilando certo desdém, atraia Ana, assim como os pulsos finos e a magreza escancarada, a fumaça a despertava, enevoando o ambiente e suas almas. Próximos, enquanto cegos pela ebriedade e atados pela fumaça que os cercavam, sentiam-se mesmo sem se tocarem.
- Ontem quando me deitei, não conseguia dormir, parecia que existia alguém ali, próximo, me olhando, não senti medo, foi sinestésico.
- Ontem quando me deitei, fiquei com uma sensação que estava te olhando Ana. Sentia-te tão próxima.
Os olhos dela ficaram maiores diante daquele comentário, se aproximou mais, talvez para escutar atenta o que os lábios dele diziam.
- Eu sei, foi estranho.
Ana olhou baixo, sempre desviava o olhar, uma timidez boba.
- Sentia você próximo, parecia que podia te tocar, mas sentia que se concluísse tal ação, teu corpo desintegraria diante dos meus olhos.
Ele quase sorriu, tentou acompanhar os olhos dela, e com uma voz baixa e calma falou:
- Eu sei Ana, é como quando tentamos beijar os lábios que não estão lá, pois tudo ia desvanecer, por isso só fiquei olhando, conferindo pra ver se você tava lá, mas sem fitar tempo o suficiente para eu notar que não.
Ela sorriu, fez alguma movimentação com as mãos, acendeu um cigarro, lábios finos, tragou.
- Sabe, estava tudo tão pesado, essa energia cósmica insustentável, e de repente essas nossas conversas me fizeram, fazem, tire o tempo dos verbos, vai além disso, muito bem, de verdade.
- As nossas conversas me parecem tão tão tão sólidas e atemporais, perenes demais para serem localizadas ou restringidas.
Ele sempre conseguiu expressar em palavras o que ela tentava descrever. Ana sentiu vontade de tocar a pele dele, estava tão próxima, o olhar resolveu parar de fugir, eles se olharam, se fitaram, a fumaça pairava, querência, desejo, pele e toque, quase.
Ela sorriu com a boca e com o corpo:
- Sempre fui viciada em escritos, vivo me confundindo entre o que escrevo e o que vivo, pairando entre as duas realidades, talvez perdida, viciada em tudo o que pode vir a ser um conto, nos toques, na respiração mudando de ritmo, mas ultimamente não conseguia sentir nada, era uma ausência insuportável de sensações, talvez com essas nossas conversas, eu tenha voltado a sentir cada palavra tua, cada palavra que sai da tua boca.
- Eu gosto de toques, não tanto como de sons, mas acho que por ter sentido você, não me dei por satisfeito somente com sons, e necessitei de toques.
- E eu fugi deles.
- Eu notei, Ana.
- Não entendo, eu gosto de tato, eu sou totalmente ligada nisso, pele, textura.
- Talvez eu tenha me enganado e Ana T. seja Ana Toque e não Ana Terna.
- Ou Textura, vai saber.
- Textura é inação. Algo que é. Sem vontade ou algo que o valha por trás. Toque não. Toque é atitude. É desejo, é Vontade.
- Mas textura, textura não se fala. A pele não gosta que saiam por ai falando assim, jogando ao ar a palavra: Textura. A boca tem que sentir, por mais clichê que seja. Lábio descobrindo a textura da pele.
- Toda descrição é vã. Acho que por isso não se deve falar de textura.
- Nem de toques, desejos, vontade
- É quase herege você excitar imagens e sons, atiçar-se olhos, ouvidos com textura, quando o único que realmente pode ser satisfeito por isso não está disponível: o toque.
- O toque como ação. Mas nós nos deliciamos com o quase, os poetas, escritores… que seja, qualquer que escreva, qualquer cena escrita é capaz de arrepiar.
- Todo escritor antes de mais nada é um sado masoquista. De se excitar e se martirizar pelo que cria e escreve. Principalmente quando não pode alcançar.
Ana se aproximou mais, o cigarro já havia acabado, ela sentiu vontade, desejo, ele sentiu o corpo estremecer, as pontas dos dedos pareciam se encostar, o arrepio emana da boca, mas percorre o corpo inteiro.
- Que metalinguagem absurda essa conversa.
- Ana.
- Que foi?
- Eu queria ter um toque seu pra lembrar.
- Não tem nenhum?
Dizia ela perdida entre suas memórias deturpadas.
- Tenho toques meus, vários até, quase toques também, mas não tenho um toque seu.
- Eu me lembro das tuas mãos em minhas pernas, e eu fingindo que não estava percebendo.
- E eu fingindo que você não estava percebendo. E eu sem saber o que havia em mim, o que me impedia de ser razoável e sair dali, ou ao menos tirar minha mão de sua coxa.
- Lembro-me vagamente da tua mão no meu pescoço, eu não sei se me fazia de tonta, ou realmente não estava entendendo nada, talvez um pouco dos dois.
- Eu me lembro da sua relutância, mas não soube interpretá-la.
- Nem eu explicá-la.
- Mas me pareceu justo fazer algo já que não me parecia possível ter seu toque, quis guardar tua textura.
- E guardou?
- Sim, resistiu inclusive a ebriedade, porem se desvanece.
- Eis a beleza do quase, do quase beijo, a perfeição pura. Perfeição insustentável.
A alça da blusa escorregou pelos ombros brancos, ela queria que ele descobrisse seu gosto, queria se arrepiar com a respiração dele, as palavras imploravam por descanso, a pele exigia o toque.
- Vontade de sentir teu cheiro. Bem ai, entre o seu pescoço e seu ombro esquerdo.
- Vontade de sentir você sentindo meu cheiro. Eu quase sinto teu toque, primeiro nas pontas dos dedos entrelaçando-se, teu cheiro, minha respiração em teu pescoço, tua mão em minha nuca.
- Mordisca a orelha, passa os lábios em direção aos teus, toque que escorrega e desce, orelhas, pescoço e ombros.
- Não beija.
- Provoca. Lábios descem até o ao pescoço, arranhar as costas, o corpo estremece.
Ana suspirava, acendeu outro cigarro, colocou a boina vermelha, tirou a boina, estava com a pele em chamas, o corpo quente, sinestesia escorria em suas veias. Sinestesia e vontade.
- Com boina ou sem boina? Escolhe.
Dizia ela tentando recuperar o ritmo da respiração.
- Com a boina, deixa eu me sentir o Bertolucci, te vendo francesa. Sim, eu sei que ele é italiano.
Quanto desdém, ele também havia acendido outro cigarro, o corpo dele também queimava aos poucos, queria sentir arder suas costas com os arranhões dela.
- Sinto sono.
- Deita comigo.
- Deito. Qual será meu gosto na tua boca?
- Algodão doce. Acho que imagino teu gosto em mim como algodão doce, sabor e textura.
- Teus lábios beijando meus ombros.
- Ana, quero tanto te abraçar.
Ele se aproximou, quase sentiam a respiração um do outro.
- Teu abraço me faz bem.
Ele sorriu, não era muito de sorrir, um sorriso doce, talvez um leve desespero no olhar.
- Parece que estamos presos ao segundo que antecede a língua descobrindo o gosto da pele.
- É. Quero o erro, respiro teu desejo.
Os lábios se convocam, estremecendo esquentando arrepiando, os dedos quase escorrem pelo corpo outro.
- Ana, e se eu tocar você agora?
- Eu desintegro.
- Melhor não descobrirmos as ausências, não ainda.


PS: Esse conto não é de autoria apenas minha, foi escrito em conjunto.
a foto é minha e deu trabalho.

câmbio/desligo.
beijos da Ana T.
quase beijos.

2 comentários:

Bah Hayashida Arôxa disse...

desintegração, textura, negação, percepção, desejo, vontade, tesão, palavras, toques, necessidade...eu li esse texto com vontade de ser tocada, li esse texto com vontade de ver a ana delirar...nossa como eu queria estar perto de você e te dar um beijo

Anônimo disse...

doce