segunda-feira, 12 de setembro de 2011

insônia e leveza

todo menino criança sapeca olhando pros lados e pra baixo e sorrindo sorrindo com seus dentes bonitos

todo magrinho correndo de um lado pro outro caindo sujando a roupa arranhando os joelhos ralando o cotovelo

todo perdido nessa multidão todo perdido por ter se achado em si se achado tão diferente



os dois brincavam rolavam na grama juntos subiam em árvores roubavam amores amoras lírios flores de lírio delírios morangos qualquer fruta madura roubavam pipas coloridas dominós cartas de papel riam riam rodavam

giravam entre estrelas maduras e cometas giravam entre cachos e elos azul e amarelo



gargalhadas de sol

os dois se experimentaram

mesclados misturados

pele gosto

fruta fresca

matar a sede na saliva

e a fome na carne



correram pra assistir o sol indo embora

o lugar era tão alto

até os passarinhos destilavam medo

voaram alto

muito alto

os dois

às vezes olhavam pra baixo

tontura tortura

labirinto

sem medo do tombo

sempre esfolavam os joelhos

era só um pouco de sangue



deitaram na grama

o céu estava lindo

imensidão infinito

roupas rasgadas

sujas

gostos mil

cheiros

ela fazia do abstrato palpável

ali

tocando a pele dele

ele suspirava respira expressava

dormiram enfim

de qualquer jeito de um jeito qualquer

ele a abraçava

ela inquieta

mas gostava

queriam ficam mais próximos

mais próximos



outro dia outra noite outro amanhecer

qualquer coisa

que seja

já faz tanto tempo que eu não me lembro

eram tão novos

tocava Caetano trem das cores

outro dia

na pele gosto sexo nicotina terra poeira poluição saliva

falas justificativas histórias amores mancha de amora

doses de tristeza insegurança

doses generosas de leveza alegria que derrete desmancha na boca oscilações térmicas

estavam estáticos

tragando um o olhar do outro

já que o cigarro havia acabado

a boca estava seca



água caindo percorrendo a pele

gostaram da idéia

correram

sol da manhã entrava pela fresta da janela

estava atrasados

ah rotina

nem ligavam

riam riam sem parar

ele olhou desconfiado

ela nua

página em branco

- espera, nós só sabemos fazer coisas que nos sujam…e agora vamos…sabe…tirar…limpar…isso é estranho.

parecia que ele tinha medo da água roubar deles aquela ternura roubar deles tudo aquilo nada daquilo roubar a alma roubar um do outro ele de si mesmo

ela ria…ria da expressão das falas..ria…crianças. não me lembro bem o que ela falou..talvez tenha sido algo – água caindo no corpo…água é energia em movimento, vida…vem…

estendeu a mão e ele sorriu

água corpo pele riam muito muito beijos entre gotas e risos ternura vontade

se abraçavam se afastavam – deixa eu lavar o seu cabelo!

a luz tão bonita, céus, quanto tempo faz...luz de sonho bom. ai ai que saudade faz tanto tempo

depois ou antes não sei não lembro detesto ordem linhas cronológicas

ele fez café ali na cozinha, ela sentada na cadeira observando seria sonho? devaneio delírio fantasia…ele ali todo menino procurando açúcar filtro e ela não sabia bem onde ficavam as coisas ela não sabia bem onde ela estava

esperaram o café ficar pronto jogados no sofá, fazia frio, janela aberta

uma gata aparece desconfiada silêncio

ele destila um olhar pra bichana

[eu quase consigo tocar esse olhar – um fio invisível e eterno]

a gata desvia

um carinho quase de longe um carinho nada efusivo um carinho dele um carinho leve

gata desconfiada, ela se afasta

carinho

ele esboça um sorriso

[eu consigo tocar esse sorriso]

a gata encosta a cabeça em suas pernas cruzadas

os olhos dele quase se fecham, tão pequenos

carinho da gata carinho dele

a gata se afasta

luz linda

aquele cheiro pairando era o dia que começava



canecas cigarros varanda amanhece

diálogos

falares



ela arruma a cama

ele joga seu corpo leve

ela sorri fingindo de brava

ele a puxa pela cintura



quem dera se pudessem procurar por mais frutas maduras

as despedidas deles são eternas

nunca é uma despedida

elas não existem

são farsas

esquece carteira

cachecol

leva a blusa no corpo

toalha escova de dente

qualquer coisa

esquece o que não é dela

dele

esquece um cacho

outra textura



estou quase como eles

levantaram sei lá quando

esqueceram mil coisas

voltaram

o espelho os encarou

crianças

sapecas



apagaram a luz

bateram a porta

ela esqueceu de trancar

e saíram

cada um para um lado


mentira


beijo da Ana T.

Um comentário:

Anônimo disse...

mas que lindo isso, isso tudo