quarta-feira, 7 de setembro de 2011

culpas cotidianas


Oi. Bom dia.
O café está quente, mas acho que ficou muito doce pro teu gosto.
O pão está no armário, comprei logo cedo. Espero que sua dor de cabeça esteja um pouco melhor. Tem remédio na prateleira, dentro da bolsinha branca.
Descanse, tem muitos livros no quarto, filmes também, mas talvez seja bom você descansar um pouco os olhos. As tintas estão no quarto de fora, mas não sei se o cheiro lhe faria bem. Sei que detesta que falem o que você deve fazer, como agir, mas…mas…tua falta de ar me assustou demais. Foi desesperador entende? Não, claro que não.
Tem algumas telas no meu armário, pode pegar o que quiser. Vou tentar achar seu cavalete dentro daquele caos. Há tanto tempo que não pinto. Bom, não vou demorar, preciso resolver algumas coisas na agência, estou tão cansada de lá, sei o que você me diria, não, não, não dá, eu não posso largar aquele lugarzinho medíocre empresarial e ir vender artesanato&telas&poesia e um pouco de nós na Bahia, morar pra lá, não, não, não dá, eu não posso. Eu não quero, é conta pra pagar. Eu sei, eu sei, você vai falar que me vendi, ou não, vai falar que eu nunca precisei disso, em que segundo será que eu me tornei assim? Talvez naquele outubro em que tomamos tanto ácido tanto que achei que fosse endoidar de vez e eu não tinha nenhum puto no bolso pra nada, e ainda restava um pouco de vergonha na cara pra não pedir pros meus pais. É. eu sei…Talvez se eu…será que se eu tivesse ficado pirada eu iria ser mais eu? Será que se eu não tivesse soltado a tua mão, tu ia entrar nessa? Porra, eu não agüentava mais aquilo, não agüentava mais. Meu corpo…nosso corpo…Eu sai correndo mesmo…te deixei naquele quarto cheirando…a sexo…cocaína…Eu te deixei porra, mas você me assustou demais com aquela loucura, porra! Você disse que ia me trancar no quarto, você queria me trancar! Era pior que internação. Não, isso não. As malditas borboletas que você insistia em enxergar nos meus cabelos, borboletas azuis..amarelas…as pretas…ah céus..as pretas…Porra, você me acordava no meio da noite pra discorrer horas e horas sobre a porra daquela espaçonave. Eu sei, eu sei, meu deus, como eu te amava e como doía, e como me dava tesão transar com você a noite inteira, ficar com teu gosto no meu corpo todo, caralho, como eu gostava. Porra, era tudo junto. Por que eu fui tão fraca de te largar lá? Mas era isso ou eu ia…você sabe que eu ia..você lembra dos meus pulsos…da quantidade que eu cheirava sem parar…Eu não ia agüentar, meu menino..não ia suportar ficar trancada nenhum dia naquele caos sem luz (porque você gastou a porra da grana com cocaína!).
Aquele cheiro cara, a gente deixou o jardim morrer. Por quê? Eu amava tanto aqueles girassóis da cor...da cor…Eu te larguei…você não me ouvia eu não te escutava suas paranoias minhas mentiras. E tudo girava torturava…e eu não achava mais o teu som nem tua pele na cama era dor e sangue porra…você não vai me responder, você foi parando de falar..silêncio ensurdecedor…você não lembra…
Tem um restaurante vegetariano que entrega até às 14:00h, é uma delícia. O telefone está colado na geladeira, o dinheiro em cima da mesa.
Ah, se a gatinha começar miar muito, dê biscoitos pra ela, estão no armário da cozinha.

Um beijo, até a noite (que nunca vai chegar.)
Mais beijos (aquele eu não te dei)

Da tua, sempre tua
Ana T. Aveia e Mel.

sem dor sem sangue
sem hoje

PS: inspirado em tanta coisa, referências mil – Caio Fernando Abreu, Arnaldo Baptista, e todos nós e tudo isso e nada disso e ....

Nenhum comentário: