terça-feira, 11 de outubro de 2011

qualquer veneno anti-monotonia - uma história sem fim

A poesia sempre acaba, sempre. Pensou ele, acendendo o terceiro cigarro. A poesia cessa, assim como o fumo e o vinho. Aumentou o volume do som, Cazuza cantarolava qualquer coisa como: o amor na prática é sempre ao contrário. Theo concordava, suspirava e aproveitava o resto do líquido que havia em seu copo. Espreguiçou em um gesto lento, eu queria ver no escuro do mundo....sentiu vontade de chorar, mas não chorava há tempos, quais são as cores e as coisas pra te querer, a música era outra, o tom também. Observou a vista da janela, uma noite insuportavelmente quente, São Paulo se lixava para as dores de cada um de seus moradores loucos e doentes, Theo pensou em comprar mais vinho, desistiu, não queria dormir, sabia que se deitasse, logo sonharia com a mesma cena de todos os dias – não, chega, não quero acordar chorando, não quero. Talvez o álcool já estivesse fazendo efeito, sentia a ausência arder, sentia qualquer coisa, queria sentir qualquer coisa, oscilava entre a vontade de sofrer e a indiferença, Theo sempre dissimulava, até para si mesmo. Havia negado todos os convites para sair, era sábado e estava em casa, era sábado às 21:00 horas na cidade de São Paulo e estava sozinho, Theo adorava sofrer por amor, Theo adorava fingir. O silêncio era sua companhia, então tentou um monólogo, como sempre.
- Os começos...são todos tão lindos....flores, bilhetes colados no espelho do banheiro, risadas, é tudo tão patético e doce, cartas de amor de Fernando, músicas, meios de comunicação incessante, é tudo...é tudo..é...e depois...parece que os móveis voltam lentamente aos seus lugares iniciais, some aquela paz caótica e quente, some...não, não some..se transforma..em qualquer coisa banal e sem gosto. Blábláblá respeito, companheirismo, blábláblá....eu quero tesão. Eu quero me matar por amor, sabe..aquela coisa bem cafona...quero endoidar o tempo todo, sentir na pele, mudar o ritmo, perder o foco sair do eixo, é isso...
- Falando sozinho novamente?
Ana parecia um fantasma, sempre fazia isso, passos leves, nunca era vista, ainda mais pálida daquele jeito.
- Nem te vi entrar.
- Nem sair, aposto. Em casa, hoje?
- Pois é, eu ando tão down.
Ana sorriu e cantarolou o resto da música.
- E você, fazendo o que aqui? Não ia dormir no físico-bonitinho-metido-a-astrológo?
A moça estava na cozinha examinando a geladeira, procurando álcool, mas Theo já havia acabado com tudo.
- Theo, vem comigo ao mercado comprar uma garrafa de vodka. Agora! Eu dirijo.
Passear por certo lugares em horários não convencionais pode ser interessante, eles só queriam uma vodka, mas acabaram, como sempre, se perdendo, rindo das embalagens e cores, ouvindo a conversa das pessoas.
- Gabriel, eu não te entendo, eu não te entendo, sempre brigamos pelas mesmas coisas.
- Mas Mônica, você insiste nos mesmo erros, e insiste em querer discutir nesses lugares aleatórios, não viemos aqui pra comprar um vinho e tentar esquecer um pouco dessas brigas?
- Sim, Gabriel..mas olha a sua cara de tédio...
- Mônica, se você parasses de achar...
- Eu acho que não tem mais jeito.
Dizia a moça dos cabelos vermelhos devolvendo o vinho a prateleira.
- Você realmente quer conversar isso aqui?
- A gente tenta de tudo, sexo em posições diferentes, álcool, cinema, livro...tudo...quebrar a rotina...mas olha pra isso, é sempre assim..
- Mônica, será que você não entende que o começo já foi?
- Mas eu gostava das sensações...eu gostava de sentir as suas sensações.
Ela estava sendo clara pela primeira vez em meses, e ele arrumando os óculos no rosto, olhos baixos e uma expressão triste, confusa.
- Essas tentativas são deprimentes.
Ela parecia tão segura, e ele tão frágil.
- Vamos para casa...
Theo e Ana espiavam, os olhos dele encheram de lágrimas, os dela também, era assim, compraram duas vodkas, o caminho foi feito em silêncio, entraram em casa, dois copos, alguns gelos e muita vodka, sentados ouvindo Cazuza, ao fundo um sábado quente de fevereiro, amores, sexo, tesão, tristeza, morte.
- Essas tentativas são deprimentes.
Dizia ele citando a desconhecida.
- Sabia que você retomaria essa frase, ela está ecoando na minha cabeça também.
- Mas essas tentativas são deprimentes mesmo, comprar flores, luz de velas, incenso, sexo demorado, essas ações cheia de peso e obrigação.
- Nem sempre é assim Theo.
- É sim Ana, acabou acabou, é detestável arrastar esse gosto amargo na boca, não sei o motivo de continuar com isso, covardia extrema, dependência insensata, doente, dependência de um outro que você não agüenta mais, isso é loucura Ana, loucura, doença.
- Será que você não entende que o começo já foi?
Dizia ela, citando um desconhecido.
- Ana, por que eu tenho que me conformar com isso? Estágios, são estágios...primeiro a paixão, o sexo, o tesão...misturado com uma ternura....depois gostar...amor...ouvir...rir junto, usar a mesma escova de dente...e depois aquela porra, os mesmo móveis, conformismo...sem bilhetinho azul nem amarelo, sem sentir na pele.
- Céus, que drama! Eu quem fui dispensada e você quem faz esse discurso?
- O físico?
- “Ana, Ana, minha namorada, quero dizer, minha ex namorada, me telefonou ontem, não estava bem, senti pela voz, fui para o apartamento dela..sabe Ana...ela gostava de namorar comigo...era ciumenta demais, mas gostava...me amava muito e acho que ela precisa de mim agora, sinto, o cosmo..Ana, mas eu não te trai, afinal..não estávamos namorando...essa parada de amor livre...não é muito pra mim entende? Eu acho..”
- Você decorou essa frase esdrúxula?
- Inventei um pouco.
- Que idiota. Que previsível.
- É, e eu fiquei sem sexo.
- Não seja por isso.
- Theo...
- Está vendo, vai entender...esses dois ai namoraram uns quatro ou cinco anos? Dependentes um do outro, o corpo depende, pro dia correr é preciso é necessário ligar e dizer bom dia, mesmo que depois, já se desentendam, já se odeiem, porque eles não se entendem, ninguém entende ninguém Ana, eles não se escutam..
- O casal do mercado se escuta, eles se olhavam nos olhos.
- Deve ter sido a primeira vez.
- Imagina a volta pra casa, que horrível.
- Como será possível nos apegarmos até aquilo que nos faz mal...que nos machuca...doi...incomoda..sei não, uma grande dose de masoquismo..sadimso...somos loucos e doentes.
- Carentes.
- Quero alguém pirado em mim, louco por mim...
- O tempo todo.
- Parece que o começo é o que consegue ir contra a esse sistema que não se respira, entende? É no começo onde você perde a hora porque dormiu demais, corpo cansado, sexo demais...depois tudo parece que se encaixa a essa sociedade, os horários de sair, os telefonemas, tudo..os moveis voltando ao lugar..
- Tu encanou nessa história de moveis.
- Pois é...moveis...tão sem vida aquelas objetos, uma cadeira da sala, marrom, sem graça...algum dia ela não esteve ali, parece loucura né? Ana, você está triste?
- Não sei, talvez concorde com você...talvez me perca...nunca sei se exagero ou realmente sinto.
- Paranóia...
- Relacionamentos, compromissos...me sinto tonta..isso não é uma piada.
- Vem aqui Ana, vem aqui...
- Sinto um sono, a primeira garrafa já está acabando.
- É, sábado..vodka..acho que eu exagerei no meu discurso...
- Contra o amor?
- Não é contra, é a favor entende..é a favor do amor...
- Você morre de medo que as pessoas façam coisas que não sejam da vontade delas..
- É..
- Mas quais são as vontades delas? Você se acha tão diferente..tão estranho..mania de exclusividade...
- Eu estou confuso.
- Eu também.
- Sem sexo...sábado.
- Não seja por isso.

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