terça-feira, 25 de outubro de 2011

Eu só queria um cigarro e paz de espírito, talvez um café e muita insônia. Queria ler teus pensamentos e beijar tua simetria perturbadora, mas do que adianta? São sonhos tolos, fantasias de um ébrio que cisma em declamar poesias sem tom.
A cerveja aberta, os livros na mesa, as roupas no chão, crio um cena, invento um público, me faço diretor, mas nada existe, nada é real, apenas teus olhares, mas esses já estão tão distantes que não me consolam mais, me resta o gosto doce da lembrança, aquela vaga sensação de beijar tua textura e levantar da cama com todo cuidado só pra não te acordar.
Os rabiscos na página em branco, teu bilhete singelo, tua voz gritando, os copos no chão, a tua risada escandalosa, e agora é silêncio, aquele silêncio que me sufoca, é ensurdecedor, ando pela casa, procuro um cigarro nos bolsos do casaco, encontro teu arrepio entre as páginas do Neruda, sento no chão gelado, respiro fundo e penso nos meus comprimidos.
Seria trágico, digno do cinema, ou minha ação fatal cairia nos lábios daqueles que vivem constantemente na sala de jantar, me julgariam friamente, seria covarde para tantos, outros talvez, me admirassem, ou não, não sei, continuo pensando naqueles comprimidos coloridos, a caixa de remédio está tão próxima, só preciso levantar e caminhar menos de cinco passos, mas o cansaço não me deixa dar ação a idéia, idéias sem pernas, como as de Bentinho.
Lembro da sua taça vermelha, do seu corpo branco na cadeira, você sorria, falava sem parar. Você era o meu melhor conto, em carne e osso, feita de palavras e essência, fumando seu cigarro, destilando olhares cheios de reticências. Eu te escutava, te sentia, ficava extasiado com tua segurança ilusória, ali, na varanda.
Olho para sua cadeira, está vazia, a casa inteira está com essa ausência tua, essa ausência infinita e infantil, não entendo, penso nas dimensões eternas, escuto teu sorriso, vejo a fumaça do teu cigarro, sinto uma fraqueza, penso nos meu comprimidos, me sinto um fraco.
Levanto, cinco passos, a caixa de remédios está ali, os comprimidos estão em minha mão, são diversos, coloridos, lembro do ácido, das loucuras tão sóbrias, dos caleidoscópios, da Liberdade com aquele vestido, lembro da pura sinestesia, e percebo que Ana não estava nesse momento, era apenas a minha essência, sem a taça vermelha, percebo que já me senti pleno sem Ana, a intensidade circulava entre minhas veias, tudo é lembrança, caos e transgressão, a música, melodia em silêncio, mas não era como este, que me sufoca, era libertário, meus pulmões respiravam, suspiro, sexo, textura, quero novamente, quero a mesma sensação, é impossível, o contexto é outro, percebo na realidade, que apesar da ausência física de Ana naquele momento, ela era inteira em minha pele, a saliva dela ainda estava em minha boca, ainda existia o cotidiano, as margaridas, o café e cigarro, ainda existia o toque de Ana naquela taça vermelha.
Agora não, não tem mais a brancura de suas coxas, nem seus olhos enormes, verdes, não existe mais rotina com Ana, a ausência grita, os comprimidos estão em minha mão, a nostalgia do ácido some, era ilusão, estou sentado no chão da cozinha, aquele azulejo branco de tédio me da repulsa. Tudo é sensação, a falta de ar típica, não tenho cigarro, azul, branco, muitos são brancos, tem um roxo, amarelo, as cores se misturam, lembro do ácido, levo um até a boca, a água está em cima da mesa, engulo com dificuldade, levanto, água, todos os comprimidos enfiados na boca, um gole de água desesperado, quero as alucinações, a ausência de sentidos e a minha mente sem gritos.
Fico mais fraco, as coisas giram, as cores, enjôo, não, acho que não, os caleidoscópios, me encontra em casa, um café, parque, algodão-doce, gosto de infância, não escuto, não me escuto, labirinto, despertador, desperta a dor, sete horas da manhã, vejo o cristo da janela, não, não vejo, moro em São Paulo, a cabeça pesa muito, eu tento falar, começo a tossir, não quero apagar, não, é sobreviver, a Ana não existe, é mentira, é ácido, eu criei, inventei, e o silêncio não me sufoca, estou deitado no chão de tédio, quero não querer todos os dias as mesmas loucuras monótonas o que estou falando quero todos os dias a sinestesia dos meus dos meus dos meus o que não não escuto os meus olhos estão fechados a boca está seca a respiração lenta as cores as cores o vermelho a taça vermelha a taça dizendo que eu quero eu quero ausência do sentir ausência do ser que sente ausência eu não escuto mais o que eu penso eu não quero escuta meu corpo sufocar tenho tanto medo de mar sempre tive Ana ria ria meu menino bobo medo de cachorros medo medo criança pequena Ana com seus medos de altura Ana Ana
Desmaia, apaga, não morre nem sonha. Nada muito intenso, apenas desmaia. Depois tudo volta, a dor e o gosto amargo, depois tudo volta, o excesso de álcool pra tentar escrever qualquer bobagem, depois tudo volta e ele acorda. Apenas desmaia, não morre, não acaba, não cessa, sempre assim, medíocre, opaco, não morre nem sonha, desmaia.



ps: escrevi esse texto há tempos, postei no meu blog e deletei, detestei! hoje em uma tarde cinzenta mudei - mudei o final. mudei algumas palavras. que seja.

beijos amargo doce beijo
da
Ana T.





2 comentários:

Senhor F disse...

Sensacional.. talvez top três dos seus melhores textos!
Gostei mais da primeira metade que da sergunda pra ser sincero, mas está completamente demais!

codilógaro disse...

completamente demais realmente!

mas discordando do senhor f apenas quanto à momentos... o estilhaçar da alma perto do fim me pegou de jeito.