terça-feira, 21 de agosto de 2012

Pra que rimar amor e dor?


Para ler ao som de: Moro Na Filosofia – Caetano Veloso

Acordei às oito horas, mas em seguida voltei a dormir, óbvio, eu não queria acordar. Estava tentando esquecer o ato impulsivo que cometi na noite anterior, mas era fracasso, afinal, bastava eu fechar os meus olhos, para que o sonho repetisse a maioria dos elementos que meu ato envolveu. Sua casa suja, os móveis dispostos caoticamente, o vitrola ligada, o gosto de café com leite, teus lábios molhados, e eu, ali, no meio do teu quarto, rompendo com a harmonia insana daquele espaço. Eu, estática, e tão deslocada, e você sentado, esboçando um riso com o canto dos lábios, e tragando seu cigarro de palha, você esperava que eu falasse algo, afinal, eu entrei em tua sua casa. Veja bem a frase, eu entrei em sua casa. A minha mente parece que só consegue girar essas palavras. Eu entrei em sua casa, eram dez horas da manhã quando subi as escadas e bati na porta, eu sentia todas as minhas veias pulsarem.  E ninguém atendeu, respirei aliviada, mas pensei no que iria pensar no caminho (longo) de volta e me senti novamente ansiosa. De repente a porta se abriu, era você, era eu, era aquela casa, aquela luz de sempre, o sempre que não acontecia há dois anos e três meses, dois anos e três meses, escute bem. Você ficou me encarando como se esfregasse continuamente as lentes dos óculos, mas você não usava óculos, eu estava em um silêncio pleno, não conseguia falar incessantemente como era de costume, afinal, esse costume se perdeu com os anos, se diluiu com cada segundo de ausência que tivemos de encarar. E era você ali me olhando e eu do outro lado, você abriu mais a porta, não me convidou para entrar, mas eu entrei, fui direto no teu quarto, passei logo pela sala, não queria me perder ainda mais, e eu não consegui sentar na sua cama, o silêncio era ensurdecedor, não conseguíamos falar, você, como sempre, parecia tão bem, tão calmo, e eu, inquieta, com meus pequenos movimentos cortantes, roias as unhas, mordiscava a cutícula, até que o sangue invadiu os lados dos meu dedos, era grotesco, você então, rasgou o silêncio – você ainda faz isso? arregalei os olhos, ainda queria manter o silêncio, mas é claro que se havia feito aquilo era para te provocar, te instigar. Pensava em fluxos, ao mesmo tempo que queria arrancar sua roupa e engolir você, eu estava em surto, meu ar, como sempre, era escasso. Perceba que uso muito as palavras sempre, costumes, e o quão incoerente elas são, eu diria até, anacrônicas, talvez? Não existia mais contexto para eu dizer costume, costume envolve o cotidiano, e isso era o que nós justamente não tínhamos. Você apagou seu cigarro, acendeu uma erva, tocava Caetano, pensei em te tirar para dançar, mas não conseguia, me sentia presa em uma alucinação de ácido lisérgico, eu andava em círculos, e você parecia degustar aquela cena, não com raiva, nem com rancor, mas com calma, que sempre me irritou em você. Mas não conseguia pensar sobre o que você pensava, eu sempre fazia isso, mas ali, eu não conseguia, eu não pensava, eu engolia saliva e tentava voltar a mim, era o ácido, era o começo da viagem, mas céus, eu estava ali, eu sabia porque eu estava ali. Não fazia a menor idéia de quanto tempo estávamos ali, você girando na cadeira, e eu girando no chão, nos passos, tropeçando em passos falsos. Pra quê rimar amor e dor? De repente um ciranda de lembranças coloridas me envolveu, mas logo escapei, queria o agora, queria, naquele instante, o que sempre me servia de dimensão para eu pular, para eu voar, para eu fugir, o agora. Sempre usei o agora pra fugir, seja para viajar pelos fluxos de nostalgia, para inventar, ou quem sabe para eu me perder no futuro, mas ali, naquele instante, eu queria aquele pedaço de realidade, de ação que existia em mim. Então eu respirei fundo, encarei teus olhos, encostei minhas mãos nas tuas, puxei você daquela cadeira, você se levantou, não tirava meus olhos de você inteiro, você não parecia entender-muito-bem-o-que-estava-acontecendo, mas também estava imerso naquele espaço, segurei bem forte, sentia minhas veias quase estourarem, me acalmei, precisava me acalmar, eu queria uma voz calma, e eu respirei toda luz, deixei a melodia brincar de ciranda em meu corpo, pela minha circulação e eu te disse: casa comigo?

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