quarta-feira, 20 de julho de 2011

eu, você e todos nós

- Abril acaba nessa sexta.

- Quando terminarmos a rua, nos separamos.

- Ainda não nos cansamos um do outro.

- É pouco tempo.

- Três semanas.

- Não era um mês?

- Não vejo defeitos.

- Vícios inofensivos, literários.

- Vou te ligar pra saber como foi seu dia.

- Não quero que você me conheça.

- É. Acho que não quero saber dos teus anseios.

- O que você fez na tua mão?

- Queimei com o isqueiro.

- Proposital?

- Talvez.

- Você já namorou?

- Com você, hoje faz três semanas.

- Um mês, digo...além de mim.

- Nunca.

- Nunca ficou bastante tempo com alguém?

- Você quer saber do meu passado? Quer outro cigarro?

- Sim, obrigada. Eu gosto de imaginar as pessoas vivendo suas vidas...em outras esferas, relações cotidianas.

- Acho que o máximo foram três meses.

- Os defeitos já gritavam?

- Eu gosto da empolgação.

- Tá com frio?

- É que esse chão tá gelado.

- Vamos levantar.

- Não, não precisa.

- Vem!

- Como você sabe que eu to com frio?

- Porque eu sinto teu corpo tremendo.

- Você é estranha.

- Você quem é.

- Eu gosto.

- De ser estranho?

- De você estranha.

- O jeito como as pontas dos seus dedos tocam meu rosto.

- Gosto do cheiro misturado, pele e cigarro.

- Eu também. Fica aqui oh...

- É.

- Queria outro cigarro.

- Tem outro aqui...ai..acabou.

- Ficou o cheiro na ponta dos dedos.

- A rua está chegando ao fim.

- É, eu sei. Mas o meu cheiro vai ficar em você.

- Pena que é só o cheiro.

- Todo essa movimentação..vicia.

- É...puxar o cabelo, suspirar, respirar, sentir a língua desmanchando na boca.

- Um tango em silêncio.

- Você me faz sentir frio e calor ao mesmo tempo.

- Meu ombro é um dos pontos fracos.

- Eu percebi.

- É...acho que é isso.

- Você volta? Ai..olha eu querendo controlar tua vida.

- Claro que eu volto. Sem justificativas por hoje.

- Sem achares. As crianças que vivem.

- Espontaneidade.

- Te imagino jogado no chão brincando com criança.

- É! É isso mesmo.

- Experimentações libertárias.

- Oi?

- Nada. Eu falo demais.

- Talvez.

- Viu, vou-me embora.

- É, a rua acabou.

- E a empolgação?

- Continua.

- Tem gente que prefere terminar no ápice.

- Eu prefiro morrer de intensidade.

- Lembrei-me de “Cleo e Daniel”.

- Todas pessoas olhando pra gente, julgamentos, pudores, ódio.

- Falta de sexo.

- Falta tesão.

- É. Sexo tem muito.

- Pânico de tédio

- Monotonia me assusta.

- Me envolve com tantas coisas, mas não me concentro em nenhuma.

- Correntes elétricas percorrem o meu corpo inteiro. Agora. Com você.

- Minha pele na tua.

- Preciso ir.

- Então vai.

- Volta.

- Cuida desse resfriado.

- Eu cuido.

...


Inspirado no filme "Eu, você e todos nós" - e não só.


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