sexta-feira, 4 de outubro de 2013

releitura de uma sexta-feira deslocada

você se casou. mora junto. divide quarto e comida. mas ainda não penso nisso. gastei horas te procurando. horas sentada em frente a uma tela branca. meus olhos ardem. meu cigarro, que eu não tenho, já acabou. fiquei triste. o dia está estranho. parece deslocado perto dos outros. sofro um ano atrasada. te encontrei pela última vez num andar distraído teu corpo leve a perambular por ai tomou um caldo de cana ou foi água de coco? você me disse que agora usa óculos e ainda costura reticências e colchetes. te avistei de relance com o rabo do olho estava em barra de são francisco espírito santo miopia ou será astigmatismo? talvez seja a idade. lembro de me perder pela noite, entre os pequenos bares - daqui a quinze anos, já terei quarenta e cinco. dizia o rapaz, assustado. magro e moreno. fino. não parava. continuei o passo apressado deixei o abraço pra lá te perdi. tão singelo e simples. agora encaro tua ausência atrasada aflita afobada inventada eu manquei, tropecei perdi a hora sentada na calçada roendo o dedo, torcendo o cacho e você ali, na sexta-feira. fiquei triste. acho que já mencionei isso. sai do tom. sai do tom e perdi o tempo. porque ritmo eu nunca tive. e você ali tocando gaita? contei até três desci as escadas, entrei em todas as salas e nada. nada. vocês resolveram morar na cidade em que eu nasci. apartamento, um quarto. talvez dois. mas não rasgo com isso. a minha pele continua intacta. o incomodo é atento ao meu atraso. invento! deixa pra lá, melhor parar com isso. dormi muito durante a tarde, isso me deixa zonza. observo uma rua movimentada. estou fora. você me pergunta o por que. você me pede uma terça. eu não vou. perdi pele. e cachos e sextas. repito o não dito. repito as palavras. atraso. quantas vezes? vejo teus cachos na estação luz. mas me engano. escuto teu nome entre uma dose e outra. um rapaz loiro, tão vivido. tão cansado. simples. ele se apresenta. é você. outro engano. 
hoje eu perdi um amor, mas com um ano de atraso. (que embaraço) quantas cartas, letras e aliterações excessivas. te imagino lendo. mas tua imagem se esfacela e teus parenteses tão bem colocados como tuas vírgulas e pontos e letras que se encaixam e estouram meus tímpanos. teu pedido de sonho tua escrita tão presa em meu corpo e você me pergunta o por que.  e diz que é tão longe e eu te passo meu número e o telefone não toca. hoje é sexta-feira. como tantas. estou atrasada. andava com pressa pois perdi o passo. a bossa nova segue mas meu disco estilhaçou. atentei as mãos entrelaçadas o tornozelo fino da moça a pele branca, e os fios loiros. vocês tão adultos. e eu aos quinze mas com vinte e três. números, de certo, nunca foram meu forte. então deixa pra lá
que como disse o poeta
a vida é assim mesmo.

quarta-feira, 14 de agosto de 2013

contar

                                                                    eu já nem sei seu telefone, baby           

hoje acordei às seis
mas voltei a dormir
levantei, enfim, às
sete
fiz suco de laranja (tarefa de hoje: retirar artigos indefinidos do meu vocabulário)
não te contei
pra que contaria?
o transporte público não me irritou
andei a pé
garoinha típica
de Agosto
ou será de São Paulo?
o frio nessas capitais
e a solidão
eita papinho batido
frio/fria
não te contei
pequenas frases que queremos nos livrar
devolver 
o troco
remexer o bolso
procurar moedas
atos
            esquecidos
perdidos
o dia segue
o espaço cheio
                          de tantas curvas
e eu não te escrevo

o dia segue
seco                            
sem trago                    
na ponta da caneta
que arrasto                 
juntos sons
mas não lhe envio
por que o faria?

a fala me cansa (risos)
outros, outras travessias

                  e contar que tudo o que escrevi está um grande lixo


o tom é agradável                  texto sem ritmo, cacofonia sem vontade

mas não afeta
sinto falta
do que desafina
o coro dos contentes

te contar que está chato                                              
que não há interesse            
                                                
nem fagulha
                     os olhos que antes não piscavam, agora pesam                                                     
nem faísca

por isso fujo                                                                
ou tento                                                                                                                                   
sem muito sucesso
falta, fala, a mesma fala....de ter vontade de pensar... mesmo papo       
me falam dos ratos                                                    
do cientificismo                                                           
maneiras de compreender a realidade                            
antropoide
Aristóteles                                 falar contar a saudade que me acerta tão
que saco                                                                                                            atenta
sinto tanta falta 
pequenas doses
diárias
de saudade
não me interesso

mas por que que contar?
os ratos soltos

ele diz no final
que o importante é provocar
provoca?
o que?
nada
e isso me enlouquece
de tédio



e eu não te conto.

domingo, 4 de agosto de 2013

sílabas entre estações

quando saio de você, penso e (re)penso em mim. me destruo um pouco, me quebro um tanto, vomito outro. eu amo o zigue zague desconexos que teus olhos sussurram. teu tropeço. teu grito que nunca escuto. penso o quanto falo, o quanto posso falar menos, mas acabo por triturar qualquer brisa com esse meu tom tosco e desafinado. sinto um gosto teu na minha boca. te falo demais do meu passado. hoje menos. não quero me desculpar, mas é labirinto. é o que não, mas vai, aquele fio quase invisível que não estoura sabe-se lá por quê.a tosse segue. o quase. quase endoidou. quase trepou. o quase me sufoca - tontura. tortura. torto, troco por um troco qualquer. querer arder na pele cada traço mal feito. lambida. De onde eu te conheço? quando solto dos teus olhos? medo, revolto revolto. entalado. a tua pele come a minha. ora derreto, ora cuspo na mão que antes afaga. ora beijo os olhos, ora deito ao lado. e por pouco não vou embora. penso e engulo qualquer bobagem. 
mais uma dose, é claro que eu tô afim. a noite nunca, nunca, tem fim.

amarelo

O vazio me incomoda. E eu te pergunto, mas que vazio? Ou melhor, qual vazio? Agudo? Não sei, ele responde. Sabe, ontem no metrô eu encostei a cabeça no vidro e pensei na morte. Pensei se vale mesmo a pena toda essa palhaçada. Na hora, a resposta foi não. Apesar do medo de reconhecer. Estava triste. Bem triste. Infeliz. Atravessada por unhas roídas e pequenas peles sangrentas. Estava naquela restaurante opaco. Com todos consumindo sem cessar, com todos buscando pelo tom de voz mais alto para conseguir se expressar. Uma disputa incessante. Eu não falo, mas não pense que é por audácia. A preguiça me consome. As paranóias também. E a comida não desceu bem. Travou na garganta. E você apareceu no meio daquela ladeira. Te achei em Minas Gerais pela segunda vez. te achei não sei faz quanto tempo. Você me olhou me abraçou e ficou perto de mim. E eu me senti tão bem. Tão leve. Respiro. E ontem foi assim também sabe, a sua casa, as escadas e a tua cama. Tão grande e tão cheia da gente. E você fica bêbado muito rápido. E passa suas mãos geladas sobre minha pele fria. aperta meu pescoço com as pontas dos dedos longos e finos. eu olho feio, mas derreto em seguida. Eu quero me sentir bem. Há mal nisso? Quero um balão de ar.
Dormir com você é um lance banal. Sem explicação por hora, quero usar a palavra banal.
Nos mexemos muitos. Inquietos até no sono no sonho. Então acordávamos juntos. E nos mexíamos. Era quase um ritual. Foi um sono forte, gostoso e doce. sonhei com você. estávamos num cômodo de uma casa, talvez esta, e você me aparecia com um pequeno ramalhete de flores amarelas. Um sonho bom.
Estou com sua blusa agora. Ela é azul e preta. Na nossa primeira viagem você a usava. Eu reparei nos traços. Sinto sono. E não te acho na cama agora.

É, ele tem cachos, fecha os olhos com vontade e é a sede que escorre dos dedos. que transborda da pele e para pele. Boca fina, rasgo os lábios que queimam. Às vezes me desconcentro. Me desconcerto com as sílabas daqueles olhos. E de repente numa conversa assim na beira da escada, ele me disse com sede que vale a pena viver. Ele me disse – É terrível. E eu concordei, é mesmo, é terrível. Mas....

terça-feira, 9 de julho de 2013

sorrateiros

Antes eu sempre falava, anunciava mil promessas, que iria, enfim, parar. Que estava enojada de tudo o que escorria de meus dedos, das palavras e consoantes repetitivas.                                                                

Gritava sem parar, declamava as mais distintas saídas de emergência,

                                                 mas todos os dias, algo entornava, quebrava, puro estilhaço,  

vidro maçante no branco da folha
                                                    no preto da letra.

Hoje, o tom é outro, o silêncio ecoa o vazio das promessas, o ritmo destoa quente.                                     Não escuto mais o estalar dos dedos pelas madrugadas frias.

Falamos das mesmas coisas, mas você escolhe nomes tão diferentes.

- eis o problema do mundo! dizia ela, rindo.
Ele a olhou por cima, lábios finos, terno preto - fosse só nomenclatura, um bom lingüista dava cabo em todo esse aborrecimento!

e os dois trataram de voltar a escolher feijões para a sopa

domingo, 2 de junho de 2013

o último sábado de maio

Dia engraçado, almocei com vinho num tom muito agradável, depois, durante a tarde, chorei muito e tumultuei o que estava sossegado. Agora vim ao teatro sozinha...não tão sozinha assim. Escuto as conversas..tento atentar aos silêncios e seus pontos. Reparo em minha postura. Nos últimos minutos, senti um alegria tímida, quase intocável. Mas já me sinto melhor, e é o que importa. 

sexta-feira, 8 de março de 2013

café, pena e culpa


Todos os meus cafés ficam terríveis. O gosto amargo é presença garantida. Ou fica fraco em demasia, ou o líquido preto me engasga. Eu não sei fazer café.
Ontem senti dó de uma senhora, ela usava uma calça preta colada e uma blusa verde. – Não vou me desanimar agora. Ela dizia em um tom triste. Eu, que nem na conversa estava, saí às pressas para não chorar em público. O que diria aos outros? Que chorava por uma desconhecida? Seria então mais uma prova da minha excentricidade diante aos olhos alheios, ou apenas uma tentativa de exposição. Eu não me encaixo.
Quinta a tarde caiu um temporal, outro, subi as escadas rapidamente, cheguei ofegante, adentrei o espaço, derrubei meu lápis, todos olharam, sentei. O gosto amargo era forte em minha boca, em minha pele e em meu estomago. Senti vontade de vomitar. A tontura não calava. Me levantei, estava tudo fechado demais. Entrei no banheiro, sentei no chão e chorei, chorei por muito tempo, chorei sem respirar. E nada aliviava.
Terça reparei que ela estava no mesmo ônibus que o meu, sempre conversei com a garota, entretanto, a grande maioria a taxava como uma patética, como se não fossemos todos. Havia um tempo que não a encontrava, ela me olhou, sorriu, eu sorri, mas não acenei. Fizemos o mesmo caminho, cada uma em uma rua distinta. Entramos no mesmo ambiente, logo em seguida saí, queria um copo de água e um bom fumo, entretanto, exagerei. Quando voltei para o espaço, as luzes estavam apagadas, todos respiravam alto, e ela estava tão próxima, eu olhei assustada, ela sorriu mais uma vez. Eu não queria estar ali, ela sabia bem disso. – Me empresta uma caneta? – Claro. Eu agradeci com o olhar. O escuro me incomodava muito naquele instante. Resolvi ir embora, ela faria o mesmo percurso que eu. – Vou embora às dez horas, você vai pra casa? Fiquei estática, morna e amorfa. Gaguejei. Pensei nos outros. Ela ali tão doce, e eu tão idiota. Menti, disse que iria demorar. Ela me disse algo, eu não entendi, escutei qualquer coisa como: eu sei que você me odeia. Arregalei os olhos e ela sorriu, pela terceira vez. Não, a garota não disse absolutamente nada disso. Ela levantou e foi embora, magra e morena. E eu ali sentada. Certamente minha companhia não seria nada demais, a minha ausência não fez a menor diferença. Mas aquela imagem me perturbou, eu tão patética, gaguejando. Ela tão mulher, tão sozinha e pouco se importando.
Ando com medo de morrer. Minto, ando com medo que os outros morram. Sinto constantemente um gosto amargo, um nó no estômago. Clamo pelo toque, mas sinto repulsa em seguida. Não escrevo mais, mas ainda tento. Comprei tintas e tela há dias, e elas continuam estáticas na segunda estante próxima a porta. Às vezes quero chorar, mesmo, parece que vou vomitar, mas nada acontece, fico engasgada, sufocada. É o dó, a detestável e intragável pena dos outros, dos olhos cansados, da dona de casa que engordou, do professor que de tanto gritar, perdeu a voz. Eu tento chorar e não consigo. Ora a pena falta, ora vomito seu excesso. A tinta, mesmo que tao próxima, se faz ausente. O grito sobra, oco e sozinho.
Meu fumo acabou há sete dias. Estou enlouquecendo.
Eu tento parar de tragar, mas engasgo. Penso no passado, nas lacunas de repressão que engoli porque quis. E te culpo. Uma dose de culpa acompanha bem o café.
- Por favor, acrescente ao café, uma pitada de pena e outra de culpa. Assim, bem cristão.
Mesmo com o gosto ruim, tomei uma xícara inteira do meu café.
Afinal, ele é meu, e só meu.

Ana T.

sábado, 23 de fevereiro de 2013

todas as cartas de amor são ridículas


sabe, ouvi dizer que ela vai ter um filho.
você quer um cigarro?
parei de fumar há uns cinco anos, desde quando paramos de nos falar.
que curioso. bem na minha ausência, você larga um vício.
moça, escute bem, eu não falava com ele há tempos. eu fiz tanto errado. doeu muito. depois de um mês sem trocar qualquer palavra, escrevi um carta, não coloquei nem o nome, só o apartamento. o conteúdo da carta era tão leve. talvez tenha sido isso que o enfureceu. não dizia nada das brigas, apenas do cotidiano.não sabia se ele havia recebido. uma madrugada, outro erro, uma ligação.
a resposta foi péssima. ele sempre me diz que eu faço ele sofrer com meu aparecimento.
ele leu a carta
e me escreveu
nossa
tão amargo. me senti tão mal. tão mal. ele ilustrou seu sofrimento me contando dos novos vícios. vícios esses que eu apresentei, claro. ele reeiterou como a minha presença o fazia mal..
eu fiquei puto da vida
que coisa mais pesada.
e ainda no final, nas duas últimas linhas, ele dizia que sentia um enorme carinho por mim.
sente é o caralho.
por que as pessoas insistem em admitir que o afeto morre, ou até se suicida? não me venha dizer que sou sua lembrança mais bonita, pois não sou, e tenho nojo de ser. de nos sobrou o pó. não me venha com teus livros de auto-ajuda. quero que se lixe tua filosofia natural, eu sou louco por essa cidade cheia de concreto, e aprecio um bom filme e um bom vinho. 
e eu jamais, meu caro, me utilizo de você como desculpa para justificar meus novos vícios. 
que escrita amarga você tem. tenebrosa. e sabe, ela é ruim e feia. truncada. sem gosto e sem saliva.
ele sempre foi tão fechado e rancoroso. e eu errei tanto, moça. tanto. senti todos os erros estourarem meus tímpanos durante tantas noites. agora durmo um pouco melhor.
mas ainda estou tão incomodado, é uma sensação estranha, algo quebrou, morreu na minha vida. algo deu errado. totalmente errado. hoje não consigo pensar em nada sobre nós que me agrade. talvez eu não queria achar, talvez não exista. essa mania chata de querer  aproveitar qualquer experiência. essa doçura enjoativa com gosto de remédio que envolve cada palavra do teu texto. cada ponto e vírgula. e você ainda me pede pra que eu não direcione raiva pra tua nova garota. pois é, agora é garota. com o a no final. você me alerta, me aponta, me indica. você e suas fórmulas entediantes.  
sinto qualquer irritação. não deu certo. nada. nenhum segundo. não vire a página, não supere. detesto a escolha aleatória das tuas palavras. as nossas discussões eram tão inúteis. me afeta. entende? essa interação que diante dos meus olhos não faz sentido. isso dói. essa coisa de não reconhecer uma atitude sua do passado, que é tão novo. Me enjôo e vomito.  
Sinto um gosto de café amargo..ah, os acontecimentos históricos....
é isso moça, obrigada pela prosa, pode deixar que pago o café.
até breve
espero te trazer outros papos, hoje estou tão seco. quase não salivo.
mas passa.
vou comer um damasco.
até

sábado, 2 de fevereiro de 2013

quinta sem cigarro

Ana não conseguia entender, sentia a dor aguda – ou era aguada? – constante, desde seus vinte e um, às vezes surgiam algumas pontadas, como se facas bem afiadas a invadissem. Porém havia um mistério, Ana não sabia de onde vinha a dor. Apenas doía e doía. Ana chorava por horas, seu sono era quase ausente, e quando finalmente dormia, adentrava em sonhos perturbados. Ana tentava de tudo, coroas de espinhos, dança cigana, cristais nas veias, nas vértebras, ciranda ao luar, Ana insistia, dormia em pé, alongava seu corpo, fazia até voto de silêncio, mas nada adiantava. A dor persistia, e Ana já estava ficando cansada. Mudou seu caminho, alterou o colchão, fez misturas ousadas, e mais uma vez fracassou. Deixou de comer, esqueceu de voar. Ana já não se importava se o dia era Sol ou cinza. Ana não declamava mais poemas nas estações de metrô, Ana já na lia nem mesmo para ela. Ana já não tomava o trem, Ana já não inventa histórias. A dor era contínua, insuportável. Ana chorava, mas as lágrimas pioravam a dor. Como se fosse possível. Ana apalpava o corpo , quem sabe encontrava onde doía. Apesar de contínua, o nível da dor variava, em certas estações, Ana achava que iria morrer, talvez este fosse seu desejo secreto, a dor aumentava e aumentava e Ana quase não podia respirar. Outros dias, era quase como se acabasse. Entretanto, Ana não sabia o que doía mais, talvez ela estivesse acostumada com a dor por inteira a dilacerando, sabe-se lá onde. Ana vomitava, palavras e um líquido quente, cheio de emaranhados crus e desconexos. Ana procurou ajuda, todos passavam a mão em sua cabeça e diziam baixinho – Ana, Ana, vai passar. Logo passa. Mas não passava, ela deixou de falar. Às vezes alguns presenciavam uma crise, não sabiam bem o que fazer, nem Ana sabia. Estava tudo quieto, Ana deitada na rede, um céu azul, conversas leves, e de repente, um enjôo, vindo não sei de onde, e de repente uma tontura, fraqueza, e era a dor expandido seus níveis, as facas aos poucos a dilaceravam. – Se pelo menos eu soubesse onde dói, poderia me perguntar o motivo. Gritava Ana. Até que certo mês, se não me engano, Maio, Ana acordou de um pesadelo, levantou para lavar seu rosto pálido, e quando se deparou consigo, a dor havia sumido. Era como se parte de seu corpo tivesse sido arrancada. Não haviam mais facas, não havia mais o antigo mistério. Ana andou pelo piso frio, a luz de Maio era estonteante, Ana rodopiou, andou na ponta dos pés, Ana desceu as escada com pressa, Ana andou pelo parque, Ana tagarelou, fez amizades novas no metrô, encontrou velhos amigos, os abraçou como há tanto tempo não abraçava, Ana estava em si, sem faca sem pulsos machucados, Ana tomou sorvete de flocos, Ana se cansou, Ana quis dormir, mas tinha medo, medo daquela dor voltar. Ana queria não pensar, mas era impossível – Uma dor que vai de mim pra onde? Em que parte de mim ela estava? Pra onde ela foi? Ana dormiu e sonhou. Sonhou com cristais e vagalumes. Ana despertou cedo, não sentia dor, sentia-se tão bem. Ana saiu, ouviu o som da cidade, sua cabeça doeu. Ana correu, senti dor nas pernas, Ana resolveu sentar, suas costas doíam, Ana não entendia, a dor que era inteira e esguia havia sumido, porém, dores pequenas eclodiram. Ou será que Ana nunca havia as percebido? Tudo doía, seu corpo era frágil, Ana deitou sobre um jardim, o sol ardia sua pele, estava incomodada, será que as facas agudas e aguada haviam deslocado a atenção de Ana? Será que a dor tampara seus ouvidos? Será que Ana usava daquela dor para fugir das outras? Para fugir daquela dimensão que cheirava a tédio? E tudo se pôs a rodar, a rodopiar, como as rendas azuis do vestido que Ana usara naquele dia. Ana caiu, seus joelhos rasgados sangravam, Ana não entendia o sangue, tampouco aquela dor tão específica. Ana fechou seus olhos, pediu quase em um sussurro para que a sua companhia voltasse, e a acompanhante, vaidosa como era, adorou escutar daqueles lábios finos e vermelhos o pedido, quase uma súplica, aquela moça de mãos e olhos gelados atendeu o desejo de Ana, afinal, não poderia deixá-la sozinha nunca. A mulher de pele em vidro novamente voltara para Ana, a mulher do rosto em cicatrizes andava de mãos entrelaçadas com a garota, respirava teu ar, percorria suas veias, a sufocava aos poucos, Ana quase morria e a mulher pensava - assim é melhor, desta forma Ana não sentirá dor. Exclamava a Solidão. Ana T

quarta-feira, 23 de janeiro de 2013

no verso

ando a pé
hoje fui ao correio
das três cartas que enviei
duas não me identifiquei
- sem remetente, moça?
me perguntava educadamente a atendente
- sim, acho que não importa.
não, não me venham com crises de identidade

também esqueci de inserir o nome dos destinatários
só restou o endereço
em um pedaço de papel
talvez as palavras se percam por ai

que diferença faz
elas se perdem todos os dias

domingo, 13 de janeiro de 2013


 ---------- Mensagem encaminhada ----------
De: Raquel
Data: 11 de janeiro de 2013 01:46
Assunto: Sufoco
Para: Carlos


às vezes eu acho que eu vou

                                                           surtar
desço os degraus da escadaria
da sé
pego o metrô às cinco e meia da manhã
encaro o pequeno apartamento
o restaurante francês, peço uma dose de cicuta
e espero comentários inteligentes
é tanta tristeza
engulo seco
e prossigo
ora eu recuo ora eu tropeço
um movimento contínuo
cíclico, eu diria

às veze eu tenho medo de

                                                         surtar
você já pensou
o quão insuportável é
                                             ser taxado todo tempo de louco
- você é louco, menino
- coitadinho, ele é louco
- incomunicável
- um gênio
- mas não sabe falar
- olha ela
- tão lindinha com esses olhos puxados
- mas tão louca
- impulsiva
- quebra cinzeiros de cristal aos cinqüenta
- todos loucos

 transbordam nas bordas
                                           das arestas
                                                                 de seus quadros

e eu
me contorço
engulo qualquer coisa
e acho
que engoli
o nó
              em minha garganta
                                                   mas ele fica, não some.

eu
os loucos em seus quadrados
perfeitos
suas arestas
eu com medo
medo de surtar
medo de ser louca
medo de sufocar por não ser
louca
por não transbordar

respiro
e tudo gira
talvez seja labirintite
ela grita
ele nega a transação
ela se desfaz - com raiva e desprezo - dos pequenos objetos dele
os estilhaça

e eu procuro desesperadamente a razão

o motorista de ônibus não acelera
o louco cobre a mão com um pacote de pão

eu tinha dezessete anos

o motorista acelera
o pai grita
o filho vomita

e eu
com os meus quinze
achando que ter tv a cabo
é o grande problema
vomito junto com o garoto
qualquer coisa
que pareça
um emaranhado de culpa e tédio

ele grita
será que eu fiz merda de novo?
eu não durmo
com a cena
ecoa ecoa ecoa

acordo
sem paz
não se engane
dormi mais de doze horas
meus ossos doem

acordo em um tom mais claro
talvez cinza

mas sabe
ando cansada
de lamber a dor dos outros
de engolir a cicatriz
de beijar os pulsos cortados do menino

ando cansada
não se engane

não me venha dizer que é altruísmo
pois não é
não restrinja os meus labirintos ao seus costumes cristãos

talvez seja um vicio, algo como roer unhas
e colocar limão depois
não
também não me venha com psicanálise
masoquismo
não me venha com nada
quero dormir

decidi então
a partir de hoje
não chorar mais
não por isso.

um beijo amargo

Ana T.