domingo, 11 de dezembro de 2011

eu me lembro de janeiro...

Vá embora e feche a porta
Tenho frio!
Vá embora antes que eu chore
Tenho frio!
Vou trancar-me
Para nunca mais abrir
Pro sabor dos nossos sonhos
Não fugir

Virgínia - Os Mutantes

quarta-feira, 23 de novembro de 2011

no passo

encontra assim . rápido. olhar que cruza sem querer. desvia. pára. pensa. e vai embora. passa. passa pó. café, passa um chá - passa qualquer coisa. passa o sono e a aula. passa o metrô o trem o transporte público. passa? não passa. não passa. e ele? ela passa! mas não conta. passa o cheiro. fica o cheiro. passa e fica. fica e passa. fica na pele. passa no ar. encosta. passa. passa o cheiro pra minha pele. passa o teu cheiro pra minha pele. passa o dia a cama e o lençol. passa a rima barata e o vinho decassílabo. pára e olha. olha e pára. passa e pára. passa pára e olha. passa e olhar para quem? passa e pára para que? passa e pára pra quem? passa o acento diferencial. passa o beijo (não passa) não existe. existe? passa o devaneio. a fantasia, delírio. passa. acorda. passa o quase. passa. mas respira mais alto. finge. sorri e fica leve. passa o disco passa o som passa vitrola - passa o andar de quem não olha, mas sabe que alguém sente. passa a tosse (não, essa não passa) passa - borda o segundo. a palavra que tropeçou da boca na boca. passa a ação! e o tesão passa? passa sem querer passar. passa querendo. passa na bossa nova ... passo em bossa nova. passo em sustenido. passo passa? passa. passa o passo assim devagarzinho. passa o que derrete. passa e eu me derreto no passo que passa. no teu passo que passa.
passa o toque mas continua a pele.
passa ou não passa?

passa o que é
e
o que ainda não foi.



beijo da Ana T.
beijos e passos que não passam.


quinta-feira, 10 de novembro de 2011

mel, cigarro e contradição

Oi amor, trouxe as margaridas? Se apaixonou por alguém hoje? No metrô, na Paulista ou no elevador? Se apaixonou por uma desconhecida, por um sorriso, pele ou textura? Talvez tenha se apaixonado por uma velha amiga. Mas tudo bem, não existe problema, somos livres, nosso amor não é possessivo, mas te peço quase em silêncio, que não se apaixone por histórias, não fantasie delírios cheios de vontade com a moça bonita da locadora.
Não dissimule comigo, não sonhe seu futuro com a dona daqueles olhos verdes. Me queira com a nossa contradição. Não beije minha boca pelo hábito de beijá-la, quando faço isso não sinto gosto, quero estilhaçar os vidros, desligue o celular, não olhe para o lado destilando tédio, vá embora, vá para onde teu tesão te grita, mas não fique comigo, sentado no sofá nessa tarde ensolarada de uma quarta-feira de cinzas, não fique aqui comigo, enxergo nos teus olhos que não quer estar aqui, será que não entende que para estar é necessário que existia plenitude? Caso isso não ocorra, os olhares ficam assim...estáticos, o beijo falta saliva, a pele não sente a textura. Não, meu amor, não, eu não te culpo por se apaixonar pela dona do sorriso desconcertante, não quero falar em culpas, não quero, não quero. Eu só quero correr e parar de sentir tanto calor, correr no ar fresco, me refrescar, entende? Amor, eu quero que você vá embora, como dizia o samba, "eu preciso aprender a só ser..." enxergo tantas coisas nisso...enxergo tantas coisas em tudo. Não consigo mais escrever, não sei mais pintar, sinto todos os traços presos a mim, todas as cores e tintas, aquarelas e pincéis, sinto sinto....respiro enfim.
Meu amor, eu só quero dormir, acordar com você fumando teu cigarro e beijando meus olhos, ouvir Clube da Esquina na vitrola, ouvir os baianos fazendo zumzum, passar a tarde na cama, contando e confabulando nosso futuro, que vamos confabular com tantos outros e outras e com nós mesmos e sem ninguém e com a ausência gritando lá fora ou aqui dentro. Meu amor, me perdoe por ser assim, cética em excesso, você não quer acreditar....olhe esse temporal...talvez eu seja mesmo exagerada. Talvez.
Um beijo, mel e um cigarro.

quinta-feira, 3 de novembro de 2011

outubros alheios - um texto sem gosto.

Eles eram tão novos, ele nem tanto, ela de óculos azul, ele girava a caneta, ela viajando com o colégio, ele na porta do ônibus, o passeio durou uma semana, ouviram a voz um do outro todos os dias, ela esperava o silêncio da madrugada, se encolhia na cama e sussurrava que o amava, ele sorria, eles se amavam, tudo novo, tão novo, ela sentindo o gosto do corpo molhado, ele extasiado de vontade. Durou pouco, tão pouco, a rotina gritou mais alto,a distância também, insegurança, imaturidade, qualquer coisa assim, ela nunca mais achou aquele lugar no parque, aquele....com um banco e uma árvore...a chuva, o céu cinza, o cheiro de grama molhada...aquele lugar que ela havia ido com ele, e girado em seus braços magros e beijado sua boca fina. Sem vodka aos finais de semana, apesar de nova, já bebia, fim das cartas enormes durante as aulas de Geometria, fim da tentativa de estudar Física por meio de aparatos eletrônico, fim, fim, gritava ela, estava com medo, sempre teve medo, outro amor, outro gosto e pele, ele chorou, acordou bêbado em algum lugar, e assim foram se perdendo um do outro aos poucos, o tempo foi passando, um, dois, três anos, ela sempre pensou nele, sempre, era um amor estranho e idealizado, mas era dela, era dele por ele, talvez uma pitada de culpa, pessoas novas, namoros, paixões, amores, amores que a detestavam, sonhos contínuos com a mesma risada, ele nunca a procurava, ela, apesar da memória falha, lembrava das coisas mais banais, aniversário, o dele e o seu, curioso isso, quando completou vinte e três anos, completamente ébria, voltando de uma comemoração atípica, parou na frente do primeiro orelhão e ligou pra ele, atendeu uma moça, ela chorou, chorou porque ele não ligou, chorou porque se sentia ridícula e presa a um passado idealizado. Ele nunca a respondia, mensagens, cartas, telepatia e sintonia, ela não, ela sempre estava lá, sentada sorrindo, não que o amasse ainda, nada disso, era outra coisa, com ela sempre era outra coisa. Uma briga, um fim de algum relacionamento ou nada disso, só sei que ele a procurou, falava falava falava, ela tinha uma certa dificuldade em lidar com fantasmas, mas o ouvia, o escutava com o corpo e com a alma, a intimidade estava ali, parecia intacta, apesar da ausência do contato físico, às vezes ela se espantava – meu deus, já faz tanto tempo! Antes ainda havia algum atrito sexual com esses dois (?), hoje eu não sei. Ele voltou, ela nunca havia saído, talvez fosse uma obsessão. Ele perguntava o telefone dela, ela dizia sorrindo e depois complementou – eu nunca, nunca me esqueci de seu telefone.

terça-feira, 25 de outubro de 2011

Eu só queria um cigarro e paz de espírito, talvez um café e muita insônia. Queria ler teus pensamentos e beijar tua simetria perturbadora, mas do que adianta? São sonhos tolos, fantasias de um ébrio que cisma em declamar poesias sem tom.
A cerveja aberta, os livros na mesa, as roupas no chão, crio um cena, invento um público, me faço diretor, mas nada existe, nada é real, apenas teus olhares, mas esses já estão tão distantes que não me consolam mais, me resta o gosto doce da lembrança, aquela vaga sensação de beijar tua textura e levantar da cama com todo cuidado só pra não te acordar.
Os rabiscos na página em branco, teu bilhete singelo, tua voz gritando, os copos no chão, a tua risada escandalosa, e agora é silêncio, aquele silêncio que me sufoca, é ensurdecedor, ando pela casa, procuro um cigarro nos bolsos do casaco, encontro teu arrepio entre as páginas do Neruda, sento no chão gelado, respiro fundo e penso nos meus comprimidos.
Seria trágico, digno do cinema, ou minha ação fatal cairia nos lábios daqueles que vivem constantemente na sala de jantar, me julgariam friamente, seria covarde para tantos, outros talvez, me admirassem, ou não, não sei, continuo pensando naqueles comprimidos coloridos, a caixa de remédio está tão próxima, só preciso levantar e caminhar menos de cinco passos, mas o cansaço não me deixa dar ação a idéia, idéias sem pernas, como as de Bentinho.
Lembro da sua taça vermelha, do seu corpo branco na cadeira, você sorria, falava sem parar. Você era o meu melhor conto, em carne e osso, feita de palavras e essência, fumando seu cigarro, destilando olhares cheios de reticências. Eu te escutava, te sentia, ficava extasiado com tua segurança ilusória, ali, na varanda.
Olho para sua cadeira, está vazia, a casa inteira está com essa ausência tua, essa ausência infinita e infantil, não entendo, penso nas dimensões eternas, escuto teu sorriso, vejo a fumaça do teu cigarro, sinto uma fraqueza, penso nos meu comprimidos, me sinto um fraco.
Levanto, cinco passos, a caixa de remédios está ali, os comprimidos estão em minha mão, são diversos, coloridos, lembro do ácido, das loucuras tão sóbrias, dos caleidoscópios, da Liberdade com aquele vestido, lembro da pura sinestesia, e percebo que Ana não estava nesse momento, era apenas a minha essência, sem a taça vermelha, percebo que já me senti pleno sem Ana, a intensidade circulava entre minhas veias, tudo é lembrança, caos e transgressão, a música, melodia em silêncio, mas não era como este, que me sufoca, era libertário, meus pulmões respiravam, suspiro, sexo, textura, quero novamente, quero a mesma sensação, é impossível, o contexto é outro, percebo na realidade, que apesar da ausência física de Ana naquele momento, ela era inteira em minha pele, a saliva dela ainda estava em minha boca, ainda existia o cotidiano, as margaridas, o café e cigarro, ainda existia o toque de Ana naquela taça vermelha.
Agora não, não tem mais a brancura de suas coxas, nem seus olhos enormes, verdes, não existe mais rotina com Ana, a ausência grita, os comprimidos estão em minha mão, a nostalgia do ácido some, era ilusão, estou sentado no chão da cozinha, aquele azulejo branco de tédio me da repulsa. Tudo é sensação, a falta de ar típica, não tenho cigarro, azul, branco, muitos são brancos, tem um roxo, amarelo, as cores se misturam, lembro do ácido, levo um até a boca, a água está em cima da mesa, engulo com dificuldade, levanto, água, todos os comprimidos enfiados na boca, um gole de água desesperado, quero as alucinações, a ausência de sentidos e a minha mente sem gritos.
Fico mais fraco, as coisas giram, as cores, enjôo, não, acho que não, os caleidoscópios, me encontra em casa, um café, parque, algodão-doce, gosto de infância, não escuto, não me escuto, labirinto, despertador, desperta a dor, sete horas da manhã, vejo o cristo da janela, não, não vejo, moro em São Paulo, a cabeça pesa muito, eu tento falar, começo a tossir, não quero apagar, não, é sobreviver, a Ana não existe, é mentira, é ácido, eu criei, inventei, e o silêncio não me sufoca, estou deitado no chão de tédio, quero não querer todos os dias as mesmas loucuras monótonas o que estou falando quero todos os dias a sinestesia dos meus dos meus dos meus o que não não escuto os meus olhos estão fechados a boca está seca a respiração lenta as cores as cores o vermelho a taça vermelha a taça dizendo que eu quero eu quero ausência do sentir ausência do ser que sente ausência eu não escuto mais o que eu penso eu não quero escuta meu corpo sufocar tenho tanto medo de mar sempre tive Ana ria ria meu menino bobo medo de cachorros medo medo criança pequena Ana com seus medos de altura Ana Ana
Desmaia, apaga, não morre nem sonha. Nada muito intenso, apenas desmaia. Depois tudo volta, a dor e o gosto amargo, depois tudo volta, o excesso de álcool pra tentar escrever qualquer bobagem, depois tudo volta e ele acorda. Apenas desmaia, não morre, não acaba, não cessa, sempre assim, medíocre, opaco, não morre nem sonha, desmaia.



ps: escrevi esse texto há tempos, postei no meu blog e deletei, detestei! hoje em uma tarde cinzenta mudei - mudei o final. mudei algumas palavras. que seja.

beijos amargo doce beijo
da
Ana T.





segunda-feira, 24 de outubro de 2011

bilhete achado entre as páginas de um livro em branco


minha visão está embaçada
não consigo enxergar
escuto essa música sem letra
pela terceira vez
acabei de desligar o telefone
mentira

estou com muito sono
mas não quero dormir
não quero deitar meu corpo na cama
e não dormir
hoje eu não sinto vontade de chorar
mesmo nessa parte da música
aquele gosto de vidro e corte
aquele gosto amargo e doce
é resto
resto de fim é um gosto de resto do fim do que restou do fim
resto de resquício
resquício qualquer
cobertores
escova de dente
um cartão postal encontrado em uma caixa preta
quebrada
estraçalhada
estilhaçada
quero abrir a caixa de Pandora
talvez encontre teu colar
perdido
talvez encontre aquele sorriso com nome de letra

quero os dias ensolarados
hoje eu queria dormir fora de mim

talvez esteja apenas entediada
você tem razão, meu bem


comprei flores
não
eu não comprei
eu só anotei na folha em branco
comprar flores
girassóis
camiseta colorida
canela
eu anotei
cruzar a cidade
na chuva
eu anotei
mas eu não fiz

eu ainda estou parada
estática
no meio de seu quarto
ouvindo vitrola
essa mesma música que toca incessantemente
em meu corpo

apaga a luz
e fecha a porta
quando for embora

dizia ela
antes de pegar no sono.

quinta-feira, 13 de outubro de 2011

Ana por Ana

Em resposta (?) ao texto: Ana e Pedro
De André Andere – poetinha...vagabundo.
http://circodentrodopao.blogspot.com/2011/09/ana-e-pedro.html

Ana e Pedro, Pedro e Ana, suave coisa nenhuma! Ana bebendo cerveja no boteco do Zé, Pedro encostado na porta..estático..olhando e achando graça na madame das coxas bonitas.
Ana não bebe por classe, dissimula inocência, sorri toda profana, Ana bebe pra esquecer todas aquelas angustias - todas aquelas faltas de ar que não a deixam dormir, Ana tem insônia e tem olheiras, e dores de cabeça. Ana fuma pra desamarrar, Ana tem pânico de tédio, Ana inventa amores pra distrair, e quem sabe transformar o tédio em melodia, Ana não escreve faz tempo, rói as unhas compulsivamente, parou de fumar, voltou a fumar, Ana anda tossindo muito.
Ana é tão perturbada, às vezes até acha que enlouqueceu, surta com freqüência, já tentou yoga, Caio Fernando Abreu, terapias anarquistas, búzios, carta, tarô&ervas medicinais.
Ana sorri para qualquer um, não suporta a rejeição, não suporta parágrafos curtos nem chá com açúcar, Ana tem as canelas machucadas, doem muito no frio, Ana não dança forró nem valsa, preferiu fazer teatro no ensino médio, Ana não sabe dançar, tem medo de cair, medo de não agüentar o seu próprio peso, ser insustentável para si mesma, Ana é.
Ana chora com freqüência no banheiro, sempre foi assim, desde criança, Ana gosta das cores dos drinks, das frases sem sentido, mesclar, misturar, Ana gosta de Pedro, Pedro gosta de Ana, mas Ana não conhece Pedro, nem o autor conhece Ana.
O Pedro fez Ana sorrir, sorrir com a alma, com o corpo inteiro, o Pedro fez a Ana declarar tesão, com a boca e com os olhos e com as mãos, Ana e Pedro, plenos.
A Ana quer ser arista, o Pedro não precisa querer. A Ana gosta de Secos & Molhados e do poetinha, o Pedro também, a Ana gosta de literatura de cordel, o Pedro também, a Ana gosta de umas paradas com ácidos e ervas, o Pedro....acha que ela vive perdida, castelos de cartas, papel, tudo dissolve...o cérebro também...O Pedro trabalha muito, a Ana inventa.
Quem inventou quem? O Pedro inventou a Ana ou foi a Ana quem inventou o Pedro?
O Pedro fala pouco, a Ana reclama, e acaba não escutando os sussurros dele, a Ana gosta de tato e pele, o Pedro não percebe quando ela encosta a pele dela na pele dele, pequenos e insuportáveis desentendimentos.
Ana e Pedro, Pedro e Ana, desistam, vocês não nasceram para esse paralelo, Ana volta pra Copacabana, Pedro largue as aulas de piano, Ana suas canelas doem, você não vai conseguir dançar Ana...não vai....Ana chora na frente do espelho. Pedro não dorme há dias.
Pedro sem poesia, Ana sem remédio, Ana hipocondríaca, Ana sem Pedro, Pedro sem Ana, Ana dissimulando com drink coloridos, Pedro bebendo desgraça.

Ana e Pedro, qualquer fim, seja morte ou gim.

beijos e beijos.
ps: esse texto foi escrito no dia 28 de junho de 2011
beijos poetinha vagabundo. beijos e beijos e beijos e beijos e beijos e beijos e beijos e beijos e beijos e beijos e beijos e beijos e beijos e beijos e beijos e beijos....e beijos....


terça-feira, 11 de outubro de 2011

qualquer veneno anti-monotonia - uma história sem fim

A poesia sempre acaba, sempre. Pensou ele, acendendo o terceiro cigarro. A poesia cessa, assim como o fumo e o vinho. Aumentou o volume do som, Cazuza cantarolava qualquer coisa como: o amor na prática é sempre ao contrário. Theo concordava, suspirava e aproveitava o resto do líquido que havia em seu copo. Espreguiçou em um gesto lento, eu queria ver no escuro do mundo....sentiu vontade de chorar, mas não chorava há tempos, quais são as cores e as coisas pra te querer, a música era outra, o tom também. Observou a vista da janela, uma noite insuportavelmente quente, São Paulo se lixava para as dores de cada um de seus moradores loucos e doentes, Theo pensou em comprar mais vinho, desistiu, não queria dormir, sabia que se deitasse, logo sonharia com a mesma cena de todos os dias – não, chega, não quero acordar chorando, não quero. Talvez o álcool já estivesse fazendo efeito, sentia a ausência arder, sentia qualquer coisa, queria sentir qualquer coisa, oscilava entre a vontade de sofrer e a indiferença, Theo sempre dissimulava, até para si mesmo. Havia negado todos os convites para sair, era sábado e estava em casa, era sábado às 21:00 horas na cidade de São Paulo e estava sozinho, Theo adorava sofrer por amor, Theo adorava fingir. O silêncio era sua companhia, então tentou um monólogo, como sempre.
- Os começos...são todos tão lindos....flores, bilhetes colados no espelho do banheiro, risadas, é tudo tão patético e doce, cartas de amor de Fernando, músicas, meios de comunicação incessante, é tudo...é tudo..é...e depois...parece que os móveis voltam lentamente aos seus lugares iniciais, some aquela paz caótica e quente, some...não, não some..se transforma..em qualquer coisa banal e sem gosto. Blábláblá respeito, companheirismo, blábláblá....eu quero tesão. Eu quero me matar por amor, sabe..aquela coisa bem cafona...quero endoidar o tempo todo, sentir na pele, mudar o ritmo, perder o foco sair do eixo, é isso...
- Falando sozinho novamente?
Ana parecia um fantasma, sempre fazia isso, passos leves, nunca era vista, ainda mais pálida daquele jeito.
- Nem te vi entrar.
- Nem sair, aposto. Em casa, hoje?
- Pois é, eu ando tão down.
Ana sorriu e cantarolou o resto da música.
- E você, fazendo o que aqui? Não ia dormir no físico-bonitinho-metido-a-astrológo?
A moça estava na cozinha examinando a geladeira, procurando álcool, mas Theo já havia acabado com tudo.
- Theo, vem comigo ao mercado comprar uma garrafa de vodka. Agora! Eu dirijo.
Passear por certo lugares em horários não convencionais pode ser interessante, eles só queriam uma vodka, mas acabaram, como sempre, se perdendo, rindo das embalagens e cores, ouvindo a conversa das pessoas.
- Gabriel, eu não te entendo, eu não te entendo, sempre brigamos pelas mesmas coisas.
- Mas Mônica, você insiste nos mesmo erros, e insiste em querer discutir nesses lugares aleatórios, não viemos aqui pra comprar um vinho e tentar esquecer um pouco dessas brigas?
- Sim, Gabriel..mas olha a sua cara de tédio...
- Mônica, se você parasses de achar...
- Eu acho que não tem mais jeito.
Dizia a moça dos cabelos vermelhos devolvendo o vinho a prateleira.
- Você realmente quer conversar isso aqui?
- A gente tenta de tudo, sexo em posições diferentes, álcool, cinema, livro...tudo...quebrar a rotina...mas olha pra isso, é sempre assim..
- Mônica, será que você não entende que o começo já foi?
- Mas eu gostava das sensações...eu gostava de sentir as suas sensações.
Ela estava sendo clara pela primeira vez em meses, e ele arrumando os óculos no rosto, olhos baixos e uma expressão triste, confusa.
- Essas tentativas são deprimentes.
Ela parecia tão segura, e ele tão frágil.
- Vamos para casa...
Theo e Ana espiavam, os olhos dele encheram de lágrimas, os dela também, era assim, compraram duas vodkas, o caminho foi feito em silêncio, entraram em casa, dois copos, alguns gelos e muita vodka, sentados ouvindo Cazuza, ao fundo um sábado quente de fevereiro, amores, sexo, tesão, tristeza, morte.
- Essas tentativas são deprimentes.
Dizia ele citando a desconhecida.
- Sabia que você retomaria essa frase, ela está ecoando na minha cabeça também.
- Mas essas tentativas são deprimentes mesmo, comprar flores, luz de velas, incenso, sexo demorado, essas ações cheia de peso e obrigação.
- Nem sempre é assim Theo.
- É sim Ana, acabou acabou, é detestável arrastar esse gosto amargo na boca, não sei o motivo de continuar com isso, covardia extrema, dependência insensata, doente, dependência de um outro que você não agüenta mais, isso é loucura Ana, loucura, doença.
- Será que você não entende que o começo já foi?
Dizia ela, citando um desconhecido.
- Ana, por que eu tenho que me conformar com isso? Estágios, são estágios...primeiro a paixão, o sexo, o tesão...misturado com uma ternura....depois gostar...amor...ouvir...rir junto, usar a mesma escova de dente...e depois aquela porra, os mesmo móveis, conformismo...sem bilhetinho azul nem amarelo, sem sentir na pele.
- Céus, que drama! Eu quem fui dispensada e você quem faz esse discurso?
- O físico?
- “Ana, Ana, minha namorada, quero dizer, minha ex namorada, me telefonou ontem, não estava bem, senti pela voz, fui para o apartamento dela..sabe Ana...ela gostava de namorar comigo...era ciumenta demais, mas gostava...me amava muito e acho que ela precisa de mim agora, sinto, o cosmo..Ana, mas eu não te trai, afinal..não estávamos namorando...essa parada de amor livre...não é muito pra mim entende? Eu acho..”
- Você decorou essa frase esdrúxula?
- Inventei um pouco.
- Que idiota. Que previsível.
- É, e eu fiquei sem sexo.
- Não seja por isso.
- Theo...
- Está vendo, vai entender...esses dois ai namoraram uns quatro ou cinco anos? Dependentes um do outro, o corpo depende, pro dia correr é preciso é necessário ligar e dizer bom dia, mesmo que depois, já se desentendam, já se odeiem, porque eles não se entendem, ninguém entende ninguém Ana, eles não se escutam..
- O casal do mercado se escuta, eles se olhavam nos olhos.
- Deve ter sido a primeira vez.
- Imagina a volta pra casa, que horrível.
- Como será possível nos apegarmos até aquilo que nos faz mal...que nos machuca...doi...incomoda..sei não, uma grande dose de masoquismo..sadimso...somos loucos e doentes.
- Carentes.
- Quero alguém pirado em mim, louco por mim...
- O tempo todo.
- Parece que o começo é o que consegue ir contra a esse sistema que não se respira, entende? É no começo onde você perde a hora porque dormiu demais, corpo cansado, sexo demais...depois tudo parece que se encaixa a essa sociedade, os horários de sair, os telefonemas, tudo..os moveis voltando ao lugar..
- Tu encanou nessa história de moveis.
- Pois é...moveis...tão sem vida aquelas objetos, uma cadeira da sala, marrom, sem graça...algum dia ela não esteve ali, parece loucura né? Ana, você está triste?
- Não sei, talvez concorde com você...talvez me perca...nunca sei se exagero ou realmente sinto.
- Paranóia...
- Relacionamentos, compromissos...me sinto tonta..isso não é uma piada.
- Vem aqui Ana, vem aqui...
- Sinto um sono, a primeira garrafa já está acabando.
- É, sábado..vodka..acho que eu exagerei no meu discurso...
- Contra o amor?
- Não é contra, é a favor entende..é a favor do amor...
- Você morre de medo que as pessoas façam coisas que não sejam da vontade delas..
- É..
- Mas quais são as vontades delas? Você se acha tão diferente..tão estranho..mania de exclusividade...
- Eu estou confuso.
- Eu também.
- Sem sexo...sábado.
- Não seja por isso.

terça-feira, 4 de outubro de 2011

renda, negócio e escritório.

burocracia demais no meu dia, transporte público, lentidão extrema, paradas bruscas que nos levam a perder qualquer equilíbrio, corporal ou não. violência. violência! meu corpo dói, a mente gira, pesa, os joelhos as pernas a garganta. pessoas do outro lado da linha respondem de maneira mecânica – sim senhora. - não senhora. - isso não consta no sistema. repartições públicas, bancos em greve, hospitais lotados, nada funciona, nada funciona, não está melhorando meu bem, não tem como melhorar, por que melhorar? Por que reformar? Vamos quebrar, estilhaçar...estilhaçar esses quadros administrativos insuportáveis. Mas não..não..querem Reformar..reformar...pequenas repartições, inúmeras repartições, espaços específicos, faça isso aqui, aquilo ali, malditas teorias sociológicas. céus. o editor de texto implica com minhas letras iniciais minúsculas. Isso me irrita muito, acho que vou desistir. Fodam-se as letras. Foda-se a estética. Tenho idéias, mas não consigo escrever, quero falar sobre girassóis, girassóis em garrafas de cerveja que percorrem a cidade cheia de transito e caos, girassol embaixo de uma lua. Quero falar da falta do seu toque, de amor, leveza, ternura, mas não consigo. O corpo estranha a presença, não acho posição, me mexo incessantemente, mordi as pontas dos dedos. Na fila do correio uma menina estática olhando para os lados, um sorriso estranho, pesado, no transporte público um senhor sem uma perna pede ajuda, tal cena gerava um contraste com aquele cartaz patético de denuncias do metrô, afinal, se um vendedor ambulante se aproximar de você, denuncie-o. Conte as características do infrator, conte para nós. esses vagabundos que não fazem nada alem de vadiar, vagabundos! Não encoste em mim, não encoste.
Eu quero respirar, quero quebrar as pardes e respirar. Quero escrever. Mas não consigo. Estou com uma energia pesada, quero um chá e um pedaço de bolo. Dormir..dormir.
Só quero me comunicar assim, desse jeito mal feito e como sempre com doses de desespero.
Drama, mais uma dose de drama, por favor! e outra de pinga, logo. logo, meu bem!

câmbio/desligo

beijos da
Ana T.

sexta-feira, 30 de setembro de 2011

uma história de polícia

Ela correu pra pegar o último metrô, ele ficou, ele ficou porque ela pediu com o corpo, ele queria ir embora, ela sempre acha que sabe o que ele queria, mas nunca sabe.
O telefone insistiu em tocar, tocou tocou tocou só tocou, ninguém atendeu do outro lado da linha, ela estava deitada, degustando a sensação que invadia a sua boca, gosto amargo, tentou mais uma vez, levantou, tomou um gole da água, mas o gosto não saia, checou os meios de comunicação, sentiu uma típica falta de ar, pensou na vida, nos ladrões de bicicletas, cachos, vírgulas, ponto, tristeza, distração, pensou no céu que observou fugindo, penso nele e naquele par de olhos expressivos – meu deus. não dormia, apesar do sono, ligou pela quinta vez, já se sentia patética, nada, nada, aquele barulho incessante, teve vontade de estilhaçar aquele aparato, teve vontade de correr e cansar o corpo, pensou em aparecer na porta de Theo, talvez pudesse preparar um bolo de maçã com canela, ou biscoitos de aveia e mel, tanto faz. Fim e afins, que vício ridículo, contos circulares moram em mim, não sou tão louca quanto aparenta, nem sou louca, quero carinho e atenção, beijos e gosto de baunilha, nada de esotérico ou incomum, a normalidade a amedrontava, a loucura era sua licença poética para vida, teve vontade de chorar, mas não chorava há tempos, teve vontade de caminhar até o trabalho de Theo, mas não foi, pontos e virgulas se encontraram, interseção, beijos aleatórios, sexta sem o teu corpo, inventar a tua tristeza pra dormir longe do teu corpo, inventar um propósito para sentir raiva, Ana sentiu uma leve tontura, tomou o terceiro remédio para dor de cabeça e foi tentar dormir, afinal, no dia seguinte, era tudo igual.

sábado, 24 de setembro de 2011

Summer '68

Pedro pintava ouvindo samba, Ana pirava com rock progressivo. Aquarela psicodélica, contos de nicotina, laranjas e morangos, limão, aveia e mel, discos no chão, Milton Nascimento na estante, Tim Maia era o síndico do prédio sem nome, dormiam em lençóis de verso, buscavam um no corpo do outro, a textura da prosa. Ela pairava entre notas sinestésicas, ele cantarolava Toquinho, dormiam juntos e mesclavam qualquer melodia em sonho, Ana sambando, Pedro reparando nos acordes. Ana tocava piano, Pedro gaita, malandro, Ana tinha insônia, passava noites acordadas, Pedro fazia samba e amor até mais tarde, tinha muito sono, independente da hora. Os dois fumavam, os dois pairavam por ai, como já dizia o poeta: a brisa primeira levou. Ana gostava do Caio, escrevia dores alheias, discorria sobre desespero, era louca ou normal, não se contentava com nenhuma dessas denominações, Pedro...o Pedro eu não…o Pedro vive em outra dimensão, a Ana também..mas o Pedro..o Pedro é diferente…só isso o que eu posso dizer. Agora entre, faz muito frio, amanhã tento achar uma foto de Ana, menina engenhosa, meu bem..engenhosa.

domingo, 18 de setembro de 2011

domingo no parque - ou será na cama?

Ler a som de: Poema – Cazuza
Ou será para ler ao som de: Retrato pra Iaiá – Los Hermanos ?

Domingo no parque, mas ela estava em casa, deitada… se aninhando na cama, o sol queimava lindo lá fora, alguns trabalhavam, outros lavavam suas roupas e faziam arrumações em seus quartos, buscando se livrar dos papeis que dificultavam qualquer passagem de ar, de escovas de dente antigas e meias alheias. Que tudo mais vá pro lixo, energia nova em movimento, por favor.
O telefone dele tocou, devido ao sol alto, não escutou, típico, o toque insistiu, ele ouviu um ruído, abaixou a música, era ela, que ainda estava embaixo das cobertas, ele atendeu atordoado, ela já falou as informações com pressa pra não ter perigo de nenhuma rejeição imediata, ele comentou do sol, ela sorriu, trocaram algumas palavras, ela comentou sobre aleatoriedades e banalidades deliciosas, comer brigadeiro de panela vendo filme, o moço discorreu sobre o chá novo que havia comprado – bom para os nervos. Dizia ele sorrindo observando a caixa, ela gostaria de ser convidada para experimentar, sonhou por uma fração de segundos: a vitrola antiga, o LP girando, chá, fumo, vida e sol, flores, uma conversa simples, ritmo gostoso, olhos nos olhos, raro, muito raro, o fluxo de pensamentos cessou assim, rápido e indolor (ou não), ela percebeu que havia ficado em silêncio, coisa rara. Ela precisava ir pro banho, água correndo sobre o corpo, disse sobre a ausência de estudo, ele concordou com a cabeça, ficava um silêncio ora tão cheio, ora tão vazio, respiração e tanta coisa em nada, nada em tanto. Imaginavam as cores que permeavam a manhã um do outro, ela imaginou o verde, a colcha na cama, a fumaça leve e solta pelo quarto, ele pensou no mural de fotos e na brancura da moça. Em um espreguiçar leve, a garota suspirou – vamos falar até acabar…Disse ela sem paranóias. - isso… Disse ele sem pedras. - qual é o nome da peça mesmo? – o despertar da primavera.
Pois é, a última frase ele não escutou, mas ela já havia dito.
Fim.


Foto: Parque da Cidade
Fotógrafo: Guilherme Andere

beijo da Ana T.

segunda-feira, 12 de setembro de 2011

se eu fosse a Cléo...

e a casa a sufocou, as paredes também, queria respirar, queria ar, queria qualquer coisa que não fosse dor, dor alheia, tentava quebrar as paredes mas não conseguia,não conseguia, parou de tentar, as paredes ficavam cada vez mais estreitas, não respirava nem chorava, assistia em silêncio, sem gritos, sem lágrimas sem qualquer tipo de manifestação, ah..amor…esse mundo insano louco doente…

Cléo e Daniel, é…faz sentido, céus, faz sentido...

insônia e leveza

todo menino criança sapeca olhando pros lados e pra baixo e sorrindo sorrindo com seus dentes bonitos

todo magrinho correndo de um lado pro outro caindo sujando a roupa arranhando os joelhos ralando o cotovelo

todo perdido nessa multidão todo perdido por ter se achado em si se achado tão diferente



os dois brincavam rolavam na grama juntos subiam em árvores roubavam amores amoras lírios flores de lírio delírios morangos qualquer fruta madura roubavam pipas coloridas dominós cartas de papel riam riam rodavam

giravam entre estrelas maduras e cometas giravam entre cachos e elos azul e amarelo



gargalhadas de sol

os dois se experimentaram

mesclados misturados

pele gosto

fruta fresca

matar a sede na saliva

e a fome na carne



correram pra assistir o sol indo embora

o lugar era tão alto

até os passarinhos destilavam medo

voaram alto

muito alto

os dois

às vezes olhavam pra baixo

tontura tortura

labirinto

sem medo do tombo

sempre esfolavam os joelhos

era só um pouco de sangue



deitaram na grama

o céu estava lindo

imensidão infinito

roupas rasgadas

sujas

gostos mil

cheiros

ela fazia do abstrato palpável

ali

tocando a pele dele

ele suspirava respira expressava

dormiram enfim

de qualquer jeito de um jeito qualquer

ele a abraçava

ela inquieta

mas gostava

queriam ficam mais próximos

mais próximos



outro dia outra noite outro amanhecer

qualquer coisa

que seja

já faz tanto tempo que eu não me lembro

eram tão novos

tocava Caetano trem das cores

outro dia

na pele gosto sexo nicotina terra poeira poluição saliva

falas justificativas histórias amores mancha de amora

doses de tristeza insegurança

doses generosas de leveza alegria que derrete desmancha na boca oscilações térmicas

estavam estáticos

tragando um o olhar do outro

já que o cigarro havia acabado

a boca estava seca



água caindo percorrendo a pele

gostaram da idéia

correram

sol da manhã entrava pela fresta da janela

estava atrasados

ah rotina

nem ligavam

riam riam sem parar

ele olhou desconfiado

ela nua

página em branco

- espera, nós só sabemos fazer coisas que nos sujam…e agora vamos…sabe…tirar…limpar…isso é estranho.

parecia que ele tinha medo da água roubar deles aquela ternura roubar deles tudo aquilo nada daquilo roubar a alma roubar um do outro ele de si mesmo

ela ria…ria da expressão das falas..ria…crianças. não me lembro bem o que ela falou..talvez tenha sido algo – água caindo no corpo…água é energia em movimento, vida…vem…

estendeu a mão e ele sorriu

água corpo pele riam muito muito beijos entre gotas e risos ternura vontade

se abraçavam se afastavam – deixa eu lavar o seu cabelo!

a luz tão bonita, céus, quanto tempo faz...luz de sonho bom. ai ai que saudade faz tanto tempo

depois ou antes não sei não lembro detesto ordem linhas cronológicas

ele fez café ali na cozinha, ela sentada na cadeira observando seria sonho? devaneio delírio fantasia…ele ali todo menino procurando açúcar filtro e ela não sabia bem onde ficavam as coisas ela não sabia bem onde ela estava

esperaram o café ficar pronto jogados no sofá, fazia frio, janela aberta

uma gata aparece desconfiada silêncio

ele destila um olhar pra bichana

[eu quase consigo tocar esse olhar – um fio invisível e eterno]

a gata desvia

um carinho quase de longe um carinho nada efusivo um carinho dele um carinho leve

gata desconfiada, ela se afasta

carinho

ele esboça um sorriso

[eu consigo tocar esse sorriso]

a gata encosta a cabeça em suas pernas cruzadas

os olhos dele quase se fecham, tão pequenos

carinho da gata carinho dele

a gata se afasta

luz linda

aquele cheiro pairando era o dia que começava



canecas cigarros varanda amanhece

diálogos

falares



ela arruma a cama

ele joga seu corpo leve

ela sorri fingindo de brava

ele a puxa pela cintura



quem dera se pudessem procurar por mais frutas maduras

as despedidas deles são eternas

nunca é uma despedida

elas não existem

são farsas

esquece carteira

cachecol

leva a blusa no corpo

toalha escova de dente

qualquer coisa

esquece o que não é dela

dele

esquece um cacho

outra textura



estou quase como eles

levantaram sei lá quando

esqueceram mil coisas

voltaram

o espelho os encarou

crianças

sapecas



apagaram a luz

bateram a porta

ela esqueceu de trancar

e saíram

cada um para um lado


mentira


beijo da Ana T.

quarta-feira, 7 de setembro de 2011

culpas cotidianas


Oi. Bom dia.
O café está quente, mas acho que ficou muito doce pro teu gosto.
O pão está no armário, comprei logo cedo. Espero que sua dor de cabeça esteja um pouco melhor. Tem remédio na prateleira, dentro da bolsinha branca.
Descanse, tem muitos livros no quarto, filmes também, mas talvez seja bom você descansar um pouco os olhos. As tintas estão no quarto de fora, mas não sei se o cheiro lhe faria bem. Sei que detesta que falem o que você deve fazer, como agir, mas…mas…tua falta de ar me assustou demais. Foi desesperador entende? Não, claro que não.
Tem algumas telas no meu armário, pode pegar o que quiser. Vou tentar achar seu cavalete dentro daquele caos. Há tanto tempo que não pinto. Bom, não vou demorar, preciso resolver algumas coisas na agência, estou tão cansada de lá, sei o que você me diria, não, não, não dá, eu não posso largar aquele lugarzinho medíocre empresarial e ir vender artesanato&telas&poesia e um pouco de nós na Bahia, morar pra lá, não, não, não dá, eu não posso. Eu não quero, é conta pra pagar. Eu sei, eu sei, você vai falar que me vendi, ou não, vai falar que eu nunca precisei disso, em que segundo será que eu me tornei assim? Talvez naquele outubro em que tomamos tanto ácido tanto que achei que fosse endoidar de vez e eu não tinha nenhum puto no bolso pra nada, e ainda restava um pouco de vergonha na cara pra não pedir pros meus pais. É. eu sei…Talvez se eu…será que se eu tivesse ficado pirada eu iria ser mais eu? Será que se eu não tivesse soltado a tua mão, tu ia entrar nessa? Porra, eu não agüentava mais aquilo, não agüentava mais. Meu corpo…nosso corpo…Eu sai correndo mesmo…te deixei naquele quarto cheirando…a sexo…cocaína…Eu te deixei porra, mas você me assustou demais com aquela loucura, porra! Você disse que ia me trancar no quarto, você queria me trancar! Era pior que internação. Não, isso não. As malditas borboletas que você insistia em enxergar nos meus cabelos, borboletas azuis..amarelas…as pretas…ah céus..as pretas…Porra, você me acordava no meio da noite pra discorrer horas e horas sobre a porra daquela espaçonave. Eu sei, eu sei, meu deus, como eu te amava e como doía, e como me dava tesão transar com você a noite inteira, ficar com teu gosto no meu corpo todo, caralho, como eu gostava. Porra, era tudo junto. Por que eu fui tão fraca de te largar lá? Mas era isso ou eu ia…você sabe que eu ia..você lembra dos meus pulsos…da quantidade que eu cheirava sem parar…Eu não ia agüentar, meu menino..não ia suportar ficar trancada nenhum dia naquele caos sem luz (porque você gastou a porra da grana com cocaína!).
Aquele cheiro cara, a gente deixou o jardim morrer. Por quê? Eu amava tanto aqueles girassóis da cor...da cor…Eu te larguei…você não me ouvia eu não te escutava suas paranoias minhas mentiras. E tudo girava torturava…e eu não achava mais o teu som nem tua pele na cama era dor e sangue porra…você não vai me responder, você foi parando de falar..silêncio ensurdecedor…você não lembra…
Tem um restaurante vegetariano que entrega até às 14:00h, é uma delícia. O telefone está colado na geladeira, o dinheiro em cima da mesa.
Ah, se a gatinha começar miar muito, dê biscoitos pra ela, estão no armário da cozinha.

Um beijo, até a noite (que nunca vai chegar.)
Mais beijos (aquele eu não te dei)

Da tua, sempre tua
Ana T. Aveia e Mel.

sem dor sem sangue
sem hoje

PS: inspirado em tanta coisa, referências mil – Caio Fernando Abreu, Arnaldo Baptista, e todos nós e tudo isso e nada disso e ....

quarta-feira, 31 de agosto de 2011

estilete de vento

apaga a luz
bate a porta
acende um cigarro
senta no chão
abre o livro
a luz é pouca
os olhos se esforçam
cansados
enxergam a primeira linha
depois se fecham
estão pesados
insistem
doem ardem
a pele reclama do frio
a alma também
fecha o livro
pega no bolso um bilhete
dá um trago no cigarro
quase apagado
lê o bilhete
pela centésima vez
sente o gosto de lágrima
levanta
acende a luz
abre a porta
espera!
não tem como acender a luz sem antes abrir a porta
será mesmo?
abre a porta
acende a luz
mas não se encontra
senta no chão
livros roupas álcool
cheiros
sexo
ternura
tontura
mas não se encontra
deita na cama
sem lençol
está calor
sente um frio
absurdo
está quente
desconforto
no próprio corpo
respira
suspira
abre fecha os olhos
insustentável
tosse
acende outro cigarro
birra
pura birra
tosse mais
mas não se encontra
nem na cama
nem no ar
quer chorar
mas não consegue
não sente
pensa na dor alheia
pensa pensa
mas não sente
talvez dor física
pensa em se cortar
mas faz tempo
tanto tempo
apanha o estilete
faz um corte leve
escorre um fio de sangue
mas ainda assim
não se encontra
tontura
tortura
segue
sangue
sempre se achou tonto
caos
buzinas
São Paulo
tudo grita
levanta
caminha em direção a janela
enxerga a cidade
com suas luzes e dores e brigas e desencontros e amores e ternura
enxerga entre as grades
de plástico ou ferro
visíveis ou invisíveis
entra no banheiro pequeno
já está sem roupa
abre o chuveiro
água gelada
treme muito
enfim sente algo
respira forte
água caindo na pele branca
nos cabelos em cacho
não tem toalha
caminha molhado
se joga na cama
treme muito
se cobre
ainda não se encontra
apesar de sentir
tontura
tontura
tudo gira
pensamentos falares buzinas poluição cigarro nicotina língua sexo pele textura gozo gosto
vento
ventania
tempestade
não controla seus pensamentos
era isso que queria
quase uma inconsciência
comprimidos coloridos
não lembra
não recorda
os olhos não sustentam o peso
fecham
enfim dorme
mas ainda não se encontra
porque sonha


segunda-feira, 8 de agosto de 2011

vick vaporup

Cai na escada rolante e ganhei balas Valda no metrô, sinto que minha tolerância com certas pessoas está cada vez menor, sinto uma preguiça alheia, essa bem comum aos arrogantes. Detesto algumas socializações, as pessoas declamando seus saldos bancários e viagens internacionais, me auto-afirmo o tempo todo, às vezes me sinto descrente de tudo, de todas as relações humanas, outras vezes, acredito no amor livre, jamais como uma utopia, mas até chego a acreditar que respiro e vivo essa liberdade, experimentações deliciosamente desnecessárias e libertárias.
Cheguei atrasada para o trabalho, como de praxe. Pintei minhas unhas com corretivo e passei caneta por cima, tentei escrever e não consegui, no caderno e não nas unhas, abri um livro e fracassei na primeira linha, sinto muito sono e dor de cabeça, meu remédio acabou ontem, minha pinga também, faz muito frio e estou sem blusa.
Nunca gostei de crianças, mas ultimamente tenho reparado tanto nos olhos redondos e expressivos de algumas delas. Esses dias eu estava no metrô, todos falavam sem parar, não escutavam uns aos outros, uma linguagem empresarial detestável e cheia de adjetivos que pareciam sair de livros de auto-ajuda, já estava tão entediada que o ar foi me faltando, procurava qualquer coisa com os olhos, até que encarei uma pequena, olhos inquietos, sede plena, sem dúvida, ela era a mais lúcida daquele lugar.
Mexo no celular o tempo todo, nada acontece, talvez com as unhas pintadas de corretivo e caneta, pare de roê-las, as minhas lentes estão péssimas, a visão está muito embaçada, sinto muito sono. Nenhuma caneta pega, a internet está extremamente lenta e não me lembro do teu telefone.
Faço o mesmo caminho todas as manhãs, passo pela mesma loja de eletrônicos, sinto que esse lugar é a metonímia perfeita do mundo empresarial na minha cabeça, talvez até da vida de muitas pessoas. Objetos, produtos, mercadorias, felicidade, alegria, comunicação instantânea.
Penso no gosto de Agosto, lembro-me da mensagem que um dia você me mandou, “Agosto, que gosto tem?” e eu escrevi naquele caderno azul: “Agosto tem gosto de fim, fim de café, último cigarro último trago, gosto em vão, gosto frio, fumaça e cinza de cigarro. Agosto deixa fraca deixa fraco o corpo propício a vícios, Agosto tem gosto de ausência.” Acho que nunca te mandei, isso já faz tanto tempo, nem sei o motivo de ter me lembrado. Lembra que levei meu vick vaporup pra você? Gostava daquele cheiro, gostava daquele cheiro na tua pele. E das folhas de hortelã? O chá estava muito bom, pena que apanhei poucas delas, quem sabe não te encontro e te entrego mais...quem sabe...será que você ainda freqüenta o Belas Artes? Ouvi dizer que fechou...coisa triste, não te imagino em outro cinema, não nos imagino em outro cinema. Será que você ainda desce e sobe a Augusta e bebe na calçada? Sabe...às vezes eu ando com hortelã na mochila..quem sabe...quem sabe...
Não me desligo não me desconecto, sinto que estou sempre presa, detesto admitir que não consigo fazer certas coisas que só dependem do meu auto-controle, tomei um banho extremamente quente, minha pele ficou avermelhada, preciso arrumar meus cadernos, preciso me encontrar nesse caos, sempre perco tanto tempo me organizando, testando quais canetas funcionam.
Ontem senti tanta vontade de te ligar, assim como quem não quer nada, perguntar da vida, do tédio, se você anda bebendo demais, se continua tendo pesadelos horríveis, se a tosse passou....se está indo trabalhar...não, não quero usar desses afazeres pra te controlar, eu só queria saber mesmo...não gosto de te imaginar com a saúde fraca, sei que você detesta que eu tenha essa imagem de você. Lembro quando dormimos juntos e eu tive febre, e você cuidou do meu sono e da minha alma, e lembro-me bem daquela vez que fomos acampar com uns doidos que conhecemos no boteco, lembra disso? Pensei que fosse acordar sem rim, mas não, foi delicioso, vi minha primeira estrela cadente ali, eram duas, sim, nos havíamos tomados ácido, mas era real, tenho certeza disso, assim como você não soltou minha mão durante a noite e não teve nenhum pesadelo.
Recebo mensagens suas e não tenho créditos pra responder, ontem quis falar sobre as relações baseadas em consumo, como resistir? Vamos fazer café e carregá-lo conosco para não termos que gastar absolutamente nada? Nos sempre falamos disso, pirataria, que seja pirata. Seja um pirata. Seja marginal.
Estava pegando água na geladeira e ouvi aquele barulho de chave e porta abrindo, por um segundo, pensei que fosse você, talvez eu tenha pensando conscientemente, sabe? Quero acreditar que esse barulho seja você. Mas não era ninguém e eu sabia disso, ora.
Lembrei dos teus olhos fechados, gosto muito da tua expressão, é tão serena e prazerosa, talvez seja plena. Gosto muito dos teus olhos, teu beijo me refresca, arde esquenta.
Quero um suco de abacaxi com hortelã, quero deitar na tua cama e ouvir teus discos antigos, quero a leveza do meu corpo com o teu. Eu não quero me negar, é isso, são todas essas sensações, misturadas mescladas, cheias de intersecções e vazios.
Um beijo.
Aveia e mel. E limão.
Ana T.

PS: Vale lembrar que nem todas as frases são minhas, tenho sede das conversas cotidianas. O que escrevo nunca é só meu, ou até pode ser, mas Fernando Pessoa já dizia “Eu sou muitos...”.

Câmbio/desligo.

domingo, 7 de agosto de 2011

suicídio

"um ano tempo não diz nada o que diz é a pele"

Agosto começou cinza e frio. Comprei o último maço de cigarros e tomei um café.

Não dormi quase nada, falei teu nome durante a madrugada, não te achava na cama, mas eu nunca te acho. Não sei por que ainda insisto em procurar.

Tive sonhos conturbados, a tosse não me deixa em paz. Faz um ano que morri de intensidade, bebi incessantemente do teu corpo, arranhei tuas costas até sangrar e me diz o que ficou? Tudo.

Parei de pensar nisso, mas era a mesma cama, o lençol no chão, a lua, janela aberta, lembra da pneumonia que pegamos depois de tudo isso?

Porra, como doeu te ver indo embora, porra...doeu demais!

Lembro de você sentado na minha cama, comigo no teu colo, tentava não chorar, você me beijou o rosto, me abraçou o corpo e a alma e disse que era pra sempre. E é! Ou pelo menos foi. Sentados no chão fumando um cigarro, qualquer assunto, qualquer bobagem.

Porra, eu não me lembro direito, isso me mata, memórias criadas me assombram.

Lembro do teu gosto misturado com o de cigarro, falávamos da fumaça, falávamos de qualquer coisa, literatura russa, química orgânica, jogos de carta, dança contemporânea, bossa nova, vícios, sexo e fizemos sexo a noite inteira, e eu não me lembro, eu não me lembro como eu gostaria de me lembrar, os nervos já estão demais de gastos.

Talvez eu só não consiga mais sentir a flor da pele. Talvez, eu disse talvez....

Porra, foi tão forte, tão cheio de reciprocidade, depois acendemos outro cigarro, o quarto estava uma bagunça, meu ar faltava, encontrava-o na tua boca, não parávamos, era o terceiro dia, havíamos perdido a noção do tempo-espaço, o corpo fraco, sem qualquer tipo de alimento, sem água nem sol. Era só teu corpo no meu, um ritmo eufórico alucinante, não conseguia sair dali, concentração plena no caos, no teu corpo esguio, sem possibilidade alguma de tédio, nos arranhávamos como se aquelas marcas fossem deixar à flor da pele todas aquelas sensações eufóricas e prazerosas.

Pitadas de masoquismo e alguma dose de sadismo, SIM, com a gente é pele, tesão, era forte demais porra. Era sintonia plena, alma e corpo.

Ai cara, eu te mandei ir embora e você foi, depois de tanto tempo, você foi embora, até hoje eu não entendo o motivo de ter saído de casa, me olhei no espelho pálida, o corpo fraco, tontura, sexo, eu queria mais... não tínhamos pressa, nunca tivemos, depois que li tua mão eu já sabia, mentira.

E ai a gente saiu na rua, a luz na nossa cara pálida, poluição entrando nos pulmões, os cachos desarrumados, os meus enroscados nos teus, e eu apertava tua mão tão forte, quase a arranhava com minhas unhas roídas. E você me segurava com força, sentia teu corpo tremendo, olhares de censura por toda parte. Eu deveria ter gritado – VOLTA! VAMOS VOLTAR, PORRA! Mas já estava tudo tão sem nexo, o quarto já deveria estar arrumado, sem o nosso cheiro, o lençol esticado. Continuávamos tropeçando no corpo um do outro, aquela claridade insuportável, vozes&buzinas&gente-gritando- qualquer-coisa-sem-relevância.

O transporte público, nós dois sentados na estação de metrô, eu não conseguia falar absolutamente nada, chegamos, aquele lugar místico, encontros e desencontros escancarados, energia em movimento, ai você comprou sua passagem, e eu calada dentro daquele silêncio, tossíamos sem parar, escrevi teu nome, tua mão tremia tanto.

Eu te abracei tão forte com toda a energia que faltava no meu corpo e você me abraçou tão pleno, e eu transbordei, a palavra tropeçou da minha boca, puxando a outra, e eu disse eu amo você, eu disse que te amava, e meus olhos gritaram, meu corpo não agüentava mais, e você gritou que me amava eu amo você.

E eu sabia que era verdade, apesar de nem saber mais o que significa essa palavra. Eu sentia que te amava de amor na pele e sentia que você me amava no corpo inteiro na alma inteira e você soltou meu corpo e eu o teu, e me veio um frio absurdo e você foi embora e eu fiquei parada, tudo girava, como as coisas podiam continuar acontecendo? Porra, as pessoas falando, o transito caótico, a moça falando que era proibido fumar naquele lugar, e eu não acreditava, fiquei estática por alguns eternos segundos, não conseguia exercer qualquer tipo de movimentação, até que senti teu cheiro no meu corpo, teu toque na minha pele, procurei você incessantemente em todos os lugares, e eu te via, mas era piração, delírio, e eu pirei e eu não dormia e me drogava sem parar, teu cheiro foi sumindo de mim, eu não agüentava mais, e eu procurava teus arranhões, qualquer fio de cabelo teu, qualquer coisa porra, qualquer coisa e eu não achava mais, o que eu achava era mentira, lembrança, ardia, eu arranhava o lençol, mas não encontrava tua textura nem respiração, era lembrança por toda parte e o meu ar foi acabando, fui sufocando, pirando na tua ausência, ai eu surtei inteira e plena, menti, era insustentável, inventei uma lucidez e me suicidei pela primeira vez.


Ana T.


talvez esse texto seja uma resposta para: http://livredosconceitos.blogspot.com/2010/08/pontuacao-falha.html

talvez....

segunda-feira, 1 de agosto de 2011

perder meu corpo na tua boca [de propósito] com sem propósito

achar no teu corpo um gosto que te cala [te derrete, desmancha]

domingo, 31 de julho de 2011

João.

Ler ao som de : Suor do Sol - Novos Baianos

Para o meu João:

O João.

O João tem o olhar mais bonito do mundo.

Aqueles olhos redondos, expressivos e encantados.

O João é quem me olha nos olhos.

Sorrindo, todo cheio de manhas.

O João me entende com a alma.

Sem justificativas, sem desculpas e amarras

O João é livre que nem passarinho

Sabe, esses dias eu cheguei em casa e o João não estava, ai eu sai procurando

E não achava, não achava, fui ficando sem ar, fui me perdendo e não consigo me achar

Me debrucei na janela, olhei pro céu e chorei

Chorei tanto

Cadê o João?

O João sempre cuidou da Raquel

A Raquel sempre cuidou do João

Tá tudo tão pequeno, tá tudo sem sentido

Parece que eu não moro aqui

Tá tudo tão vazio, a casa, os corredores, eu

Ta tudo tão sem graça

Fiquei olhando pro céu sem estrelas fiquei olhando pra toda gente

Apartamentos acesos, carros, ouvi barulho de risada, garrafa quebrando

Senti vontade de gritar João João

É tanta ausência, é tanta ausência em mim

Mas ai amanheceu sabe...

E na minha janela apareceu um passarinho bonitinho

Com o peito amarelo

E puxou conversa comigo

Quis saber qual era o motivo dos meus olhos inchados

Eu falei né, e ele me lembrou uma coisa linda

Que o João só é João se é feliz

Ai eu sorri e me veio um choro leve, doce

Com tanto amor e tanta ternura

O bichinho tava certo

O dia amanheceu lindo, cheio de saudade

Mas é assim né não?

O passarinho bateu as asas e foi-se embora

E eu fiquei pensando

O João pode ir pra qualquer lugar

Bogotá, que seja

O olhar dele não vai desgrudar de mim

A risada é nossa, as bobagens são nossas

O laço é tão forte, não carece ter medo não!

O amor é tanto que até pode doer

Mas sempre vai me fazer respirar melhor

O João sempre vai me olhar nos olhos, até quando não estivermos nos vendo.

É além sabe?

É pra sempre e sempre e sempre e sempre e sempre e sempre e sempre e sempre e sempre e sempre e sempre e sempre e sempre....

quarta-feira, 27 de julho de 2011

no instante em que você sentir vontade de

transbordar (bordar)

abordar

o tédio

você grita bem alto

– grita

! !!!!!!!!!!!!!!!!!!

você puxa conversa

e conta para um desconhecido

qual é o gosto da monotonia

o tom contínuo

o mesmo tom

às vezes é só não gostar-cansar

às vezes

é não

saber

o

por que

isso é louco!

isso me pira !!!

como a gente para de sentir as coisas?

como

eu começo a sentir?

qual é o instante?

é tudo química?

(já teve tanta

coisa imprevisível

atípica

mas sem sentido

sem sentido no sentido da ausência do sentir

sentir)

talvez nem tudo

seja uma questão

de monotonia&tédio.


pra você é só com

corrente elétrica percorrendo o corpo inteiro

não te imagino almoçando

acostumado a ouvir o ecoar dos talheres alheios

não te imagino preso a sala de jantar

rotinas insustentáveis

não imagino

não idealizo

idealizar é chato

não quero o ideal

quebre os pratos

grite comigo

me segure pelo pulso

só não me deixa desmaiar

não

destile

indiferença

eu analiso tudo

isso sufoca

às vezes

paranóia rotineira

relações são de vidro? cristais?

detestam perturbações

mas eu quero é perturba-las

quarta-feira, 20 de julho de 2011

eu, você e todos nós

- Abril acaba nessa sexta.

- Quando terminarmos a rua, nos separamos.

- Ainda não nos cansamos um do outro.

- É pouco tempo.

- Três semanas.

- Não era um mês?

- Não vejo defeitos.

- Vícios inofensivos, literários.

- Vou te ligar pra saber como foi seu dia.

- Não quero que você me conheça.

- É. Acho que não quero saber dos teus anseios.

- O que você fez na tua mão?

- Queimei com o isqueiro.

- Proposital?

- Talvez.

- Você já namorou?

- Com você, hoje faz três semanas.

- Um mês, digo...além de mim.

- Nunca.

- Nunca ficou bastante tempo com alguém?

- Você quer saber do meu passado? Quer outro cigarro?

- Sim, obrigada. Eu gosto de imaginar as pessoas vivendo suas vidas...em outras esferas, relações cotidianas.

- Acho que o máximo foram três meses.

- Os defeitos já gritavam?

- Eu gosto da empolgação.

- Tá com frio?

- É que esse chão tá gelado.

- Vamos levantar.

- Não, não precisa.

- Vem!

- Como você sabe que eu to com frio?

- Porque eu sinto teu corpo tremendo.

- Você é estranha.

- Você quem é.

- Eu gosto.

- De ser estranho?

- De você estranha.

- O jeito como as pontas dos seus dedos tocam meu rosto.

- Gosto do cheiro misturado, pele e cigarro.

- Eu também. Fica aqui oh...

- É.

- Queria outro cigarro.

- Tem outro aqui...ai..acabou.

- Ficou o cheiro na ponta dos dedos.

- A rua está chegando ao fim.

- É, eu sei. Mas o meu cheiro vai ficar em você.

- Pena que é só o cheiro.

- Todo essa movimentação..vicia.

- É...puxar o cabelo, suspirar, respirar, sentir a língua desmanchando na boca.

- Um tango em silêncio.

- Você me faz sentir frio e calor ao mesmo tempo.

- Meu ombro é um dos pontos fracos.

- Eu percebi.

- É...acho que é isso.

- Você volta? Ai..olha eu querendo controlar tua vida.

- Claro que eu volto. Sem justificativas por hoje.

- Sem achares. As crianças que vivem.

- Espontaneidade.

- Te imagino jogado no chão brincando com criança.

- É! É isso mesmo.

- Experimentações libertárias.

- Oi?

- Nada. Eu falo demais.

- Talvez.

- Viu, vou-me embora.

- É, a rua acabou.

- E a empolgação?

- Continua.

- Tem gente que prefere terminar no ápice.

- Eu prefiro morrer de intensidade.

- Lembrei-me de “Cleo e Daniel”.

- Todas pessoas olhando pra gente, julgamentos, pudores, ódio.

- Falta de sexo.

- Falta tesão.

- É. Sexo tem muito.

- Pânico de tédio

- Monotonia me assusta.

- Me envolve com tantas coisas, mas não me concentro em nenhuma.

- Correntes elétricas percorrem o meu corpo inteiro. Agora. Com você.

- Minha pele na tua.

- Preciso ir.

- Então vai.

- Volta.

- Cuida desse resfriado.

- Eu cuido.

...


Inspirado no filme "Eu, você e todos nós" - e não só.


terça-feira, 12 de julho de 2011

como as coisas livres a luz do sol

Arrepiou o corpo inteiro, tirou o fôlego, fez perder a hora, mudar o ritmo de São Paulo, ser turista sempre e andar no passo que eu bem quiser, olhar pro alto, falar da lua e declamar poesias ruins no teu ouvido, fumar do teu cigarro, beber da tua bebida, rir, falar falar falar sentir vontade, vontade mesmo.... sabe, daquelas que dá e não passa com exclamação! sem ironia por hoje, sem sarcasmos e afins, sem fins e enfim sem pontos sem teorias sem roupa e com muito tesão!

Ana T.

segunda-feira, 11 de julho de 2011

interruptores de desdém

Ontem eu vi o abismo que agora existe entre nós.
Chuva e frieza.
Meus olhos ardem tanto.
Cegueira momentânea.
Talvez tenha queimado a retina e estourado os tímpanos.

mais do mesmo e foda-se

Eu penso todas as noites naqueles cadernos.

Nos dois vermelhos, no preto.

O preto eram coisas mais acadêmicas sabe? Mas todas relacionadas aos Anarquismos.

Sinto saudade da folha. da textura...branca....

Sério, me sinto extremamente perdida.

Queria chorar, mas não consigo.

Aperto tão forte.

Ausência de rumo.

Não é exagero. Ponto.

Não peço pra você me entender, nem pra me consolar.

Só me escuta.

Já pensei em sair dos blogs.

Sumir com a Ana T.

Mas ela já está tão distante.

Ladrão maldito. Maldito.

Fodam-se as causa sociais.

Fodam-se as lutas de classes.

Não quero saber de Foucault.

Já pensei em nunca mais escrever. Nunca mais.

Sumir de todos os meios de comunicação.

Todos.

Mas não consigo.

Preciso me expor, expor a dor. Despertar a dor.

Queria sentir uma dor física.

Algo mais concreto.

Me sinto louca, sentindo tanta coisa abstrata.

Ainda penso em parar de escrever.

Boicotar a mim mesma.

Proibir todos os impulsos.

Eles vão é virar pó mesmo, de qualquer jeito.

Porra, eu perdi tudo...

Eu olho todos os dias as estantes, vejo os livros e procuro o vermelho.

Todos os dias.

É uma dor abstrata. Isso me irrita.

Acabou Raquel, acabou.

Pára de querer continuidades, fase de destruição.

Fase de destruição.

Não! Porra! O meu eu mais vergonhosos estava lá, coisas que eu não dizia nem pra mim mesma, porra, porra, cacete!

Porra!

Me sinto perdida.

Não quero frases de auto-ajuda, não quero ouvi-las.

Que vão se danar todas elas.

"Ai, isso passa."

"Você supera...."

Que bom que passa. que bom que eu supero. porra.

Adoro ser a adolescente rebelde.

EU VOU É TOMAR UM PORRE.

Obrigada.

Não precisa nem escutar. Foda-se. Ninguém lê, ninguém escuta, falo o que eu quiser. só eu escrevo nessa merda mesmo.

Raiva.

RAIVA ENLATADA DA PORRA.

Não quero dormir com essa energia.

Vamos parar por aqui, vamos pensar em borboletas azuis idiotas voando por ai.

Fase de destruição.

Vamos deixar o passado pra lá?

No lugar dele?

Chega de amores amáveis....chega de querer reviver o que não viveu.

[eu postei isso em outro blog no dia 6 de julho.]

câmbio/desligo

segunda-feira, 4 de julho de 2011

olhar viciado

- você não escreve mais?

- não.

- por que?

- ah....

- eu gostava das coisas que você me escrevia.

- teu olhar era viciado.

- tá vendo como você ainda escreve.

- às vezes eu até sinto vontade sabe...mas ai eu começo a me analisar...e a vontade some.

- não cara, escreve e pronto.

- é que geralmente quando eu sinto vontade eu estou deitado.

- ah, para com isso né...tenha um bloquinho ao lado da cama.... escreve...gostava tanto dos teus escritos.

- já disse que teu olhar era viciado.

- bonito isso...olhar viciado...podia até ser, mas eu também escrevia..e não era qualquer coisa que eu gostava de ler, nunca é.

- você escreve ainda né?

- acho que eu vou escrever pra sempre.

Ele riu, os olhos eram esverdeados e os cachos castanhos.

Ainda estava inconformado com o fato da sua primeira namorada já estar trabalhando.

- Como isso? Estou me sentindo velho! Será que já faz tanto tempo assim?

- Já cara, um bom tempo.

- A gente estudou junto no Jardim de Infância.

- Tá, mas disso a gente nunca lembrou.

- Como assim?

- Ué, quando a gente começou a namorar eu não me lembrava de você criança.

Os olhos dele desviaram dos dela.

- Eu sabia quem você era....mas...era tanta timidez em mim.

- Ah..sabia nada.

- Sabia sim...

- Eu também era tímida.

Ele deu uma gargalhada gostosa, ela sorriu um pouco tímida.

- Borboleta...

- Anjo!

- Cada coisa que a gente inventa né não?

-Pois é.... bom, to indo embora do trabalho, finalmente.

- Vai lá, vou ver se ainda pego o bandejão aberto!

- O tempo passou né?

- Pois é.

- Viu...

- Oi?

- Volta a escrever.

- Quem sabe...

- Escreve pra mim....

Ele sorriu..um riso inocente, como aquele da adolescência...

- Será que o teu olhar ainda é viciado?

Ela encarou os olhos esverdeados dele.

- Será que você ainda escreve bonito?

Se beijaram no rosto e foram embora, cada um pra sua vida.

Ah..as memórias inventadas...ah...o passado idealizado.

Beijo com pinga.

Beijo com cachaça!

Beijo para borboletas e anjos.